Posso soar pessimista, exagerada, até mesmo dramática. Mas vamos encarar a realidade. Estamos vivendo um cenário “semiapocalíptico” na vida dos solteiros e solteiras. A coisa está braba. Só que em geral as pessoas não gostam de falar sobre esse tema, por medo de virar alvo do julgamento clássico: se está ruim, é porque VOCÊ tem algum problema, seja ele qual for. Então é melhor deixar o assunto quieto. Assim, evitamos possíveis questionamentos sobre os motivos pelos quais nossa vida amorosa e sexual não anda fluindo como gostaríamos. Levantar essa lebre pode gerar suposições e especulações de que haja algo errado, feio, suspeito, esquisito ou inadequado na gente, que nos torne uma grande roubada.
Apesar de achar o cenário infinitamente mais desafiador para as mulheres, estou me referindo a todos os que estão solteiros, querendo ter vínculos amorosos e sexuais. Porque os homens também andam se queixando, e muito. Não tem sido simples conseguir encontros (mesmo que casuais) de qualidade, relações bacanas, saudáveis, com uma conexão satisfatória. E não falo apenas de relações mais longas. Os desencontros estão se dando até nos momentos iniciais. Muitas vezes as decepções acontecem até antes do primeiro “date”, que acaba nem acontecendo, já que muita gente se conhece através de aplicativos ou das redes sociais.
Atualmente, desilusão amorosa está virando artigo de luxo, porque em geral as pessoas não chegam nem na fase do amor. Estamos acumulando pequenas e constantes frustrações, e a paciência vai ficando cada vez menor com quem aparece no caminho.
Há uns dias, li uma frase no Instagram em que a mulher dizia que tinha acabado de mudar de sua versão traumatizada para “super traumatizada premium”. Eu ri, claro. Mas ri de nervoso.
O fato é que a insatisfação anda generalizada. Considero um fenômeno social a quantidade enorme de pessoas solteiras que estão traumatizadas com sua vida afetiva, desesperançosas, achando tudo muito estranho e desencontrado. E, mesmo quem está se relacionando, anda sentindo que as coisas estão complicadas. Não está fácil encontrar alguém com quem se tenha uma conexão relevante e boa de se viver.
Claro que relacionamento nunca foi simples, mas estou me referindo a um nível de dificuldade que acredito que jamais enfrentamos antes, a uma realidade que parece avessa aos vínculos amorosos.
Também acende um sinal de alerta a quantidade de pessoas com disfunções sexuais, mesmo pessoas jovens. São inúmeras as hipóteses que podem justificar essa questão que vem acontecendo e pouco se fala. Acredito que a pornografia virtual, que já é tida como um fator desencadeante de diversos distúrbios por estudos e especialistas, e que certamente nunca foi tão “usada” como nos últimos anos pandêmicos e de redes sociais bombando, deve ser um fator importante a ser considerado. Mas há todo um contexto geral de pós-pandemia, crise financeira, lutos variados, excesso de medicamentos psiquiátricos, uso frequente de álcool e drogas que adiam ou inviabilizam o orgasmo… Todas essas e várias outras razões podem e devem estar contribuindo para a deterioração da vida sexual das pessoas, e também da vida amorosa.
O ambiente beligerante de polarização política consegue trazer ainda mais obstáculos para os encontros fluírem. As pessoas estão intolerantes e belicosas de forma geral. Não dá para descrever esse momento como especialmente romântico…
Para completar o cenário, temos talvez os maiores empecilhos à construção de vínculos saudáveis: as redes sociais. Elas tornaram as relações, que antes já estavam sendo vistas como “líquidas”, em relações quase evaporadas. Se antes os relacionamentos traziam a sensação de segurança, agora essa sensação está altamente comprometida.
As redes sociais são uma constante ameaça aos relacionamentos. Trazem tentações de todo tipo, desestabilizam qualquer pessoa, por mais sã que ela seja. Além disso, não nos deixam fechar completamente as portas para o passado. Não existe mais um luto completo de “ex”. Seja “ex” qualquer coisa, até ex-ficante ou ex-flerte. As situações não se encerram por completo, e assim parecem muitas vezes não começar por completo também.
Quando começam, muitas vezes parece que ambos estão com o pé atrás, sem saber se o outro ainda esta com seus contatos ativos, o que anda fazendo por direct, se anda adicionando pessoas novas ou antigas… E sem saber se o outro está “andando na linha”, a pessoa acaba achando mais prudente não se fechar para outras possibilidades, porque nunca se sabe o dia de amanhã… Tem muita gente por aí mantendo os planos B, C, D etc em aberto. Com um pé dentro e um fora da relação.
E, como se já não tivéssemos problemas o suficiente, temos ainda os efeitos colaterais do uso dos aplicativos de encontro, como Tinder e tantos outros. Quando o uso é prolongado e intenso, a coisa piora. Somos a primeira geração vivendo essa realidade, e estamos começando a ver o custo emocional e social dessas ferramentas.
Ao mesmo tempo em que trazem mais racionalidade às escolhas, em que ajudam muito a ampliar a possibilidade de encontros, e promovem conexões improváveis no mundo “real”, os aplicativos deixam as relações parecendo uma dança das cadeiras, trazem uma sensação de descartabilidade, fazem com que as pessoas tenham encontros em série e abram várias “janelas” ao mesmo tempo. E acabem, portanto, sem focar, sem apostar para valer em ninguém.
Fora que nos deixam exaustos com essa busca incessante, e desanimados por perdermos tanto tempo vendo centenas de perfis que só nos dão a sensação ainda mais intensa de que não tem ninguém por aí que combine com a gente. Há ainda o esgotamento enfrentado pelas diversas conversas inúteis e desinteressantes com os “matches” que não vão para a frente…
O combo aplicativo + redes sociais potencializa os problemas, já que os novos contatos são em geral adicionados nas redes e muitas vezes ali permanecem, num ciclo sem fim, formando uma bomba atômica para qualquer nova relação.
Com a quantidade de “dates” que começam na vida virtual e que às vezes nem chegam a se concretizar ao vivo, a gente tem acumulado situações frustrantes, ou pelo menos muitos “ranços” de experiências que bateram mal por alguma razão. Fica difícil romantizar e investir nas pessoas diante de um cenário tão inóspito.
Claro que, mesmo nesse caos, muitos encontros bons têm acontecido. Há sempre essa chance. Mas é importante que as pessoas percebam que o problema nem sempre é com elas. É preciso considerar que existe um contexto maior, que tem sido prejudicial. O fato é que o mar está turbulento, e isso não faz de tanta gente maus nadadores.
Diante desse cenário, acredito que cada vez mais precisaremos exercitar nossa capacidade de adaptação, fazer o exercício de repensar expectativas, abrir a mente a novas formas de criar conexões amorosas e sexuais que não estejam dentro do padrão clássico, mas que nos tragam alegria e bem-estar, claro.
Talvez a gente esteja tentando viver as relações seguindo uma fórmula que já não funciona mais hoje. Ou funciona ainda, mas para poucos, o que torna bastante rara a possibilidade de achar um par alinhado a esse modelo. E assim, vivemos nos decepcionando, ficando cada vez mais desiludidos.
Será que não estamos teimando em fazer igual e esperando as mesmas coisas de antes, num mundo já totalmente diferente?
A praia é muito mais que o mergulho. Se o mar não está convidativo ou seguro, quem sabe um bate-papo com amigos, um solzinho gostoso batendo no corpo, um bom livro, um frescobol ou altinha, um mate com limão, um biscoito globo, um picolé ou uma cerveja gelada? Se o calor está forte, a gente faz o que dá. Molha as pernas na beirinha e joga uma água pelo corpo, no improviso. Ou vamos de chuveiro, bica, balde.
Quem sabe não valha a pena mudar os planos e ir mergulhar num lago, num rio, numa lagoa, numa piscina (nem que seja de plástico), ou se refrescar numa cachoeira ou cascata? Talvez até mudar mesmo a rota totalmente, tentar um cineminha com ar-condicionado? Pode ser até que supere o mergulho que você vem tanto querendo… Ou que te revigore de forma equivalente, mas por outras razões. Vai saber.
E nada disso impede que chegue a hora de mergulho no mar, do jeito que você imaginou. Se bem que, vamos combinar, nada é como a gente imagina. Pior ou melhor, as coisas são como acontecem e não como a gente idealiza. Ainda bem, porque a vida tem um repertório muito mais amplo, surpreendente e arrebatador que o nosso.