Tarde demais para reparar seu erro?
Sobre a importância de ajudar a curar as feridas alheias. Sempre é tempo
Há uns dias recebi uma mensagem por direct. Um cara com quem eu saí algumas vezes e com quem criei uma conexão legal me escreveu pedindo desculpa por seu sumiço, já que ele não havia respondido minha última mensagem e alguns meses se passaram desde que isso ocorreu.
A mensagem foi delicada, humilde e cuidadosa. Em poucas palavras, deixou claro que sabia que eu poderia não querer responder, mas que ele precisava se desculpar, porque não estava confortável com o que fez, já que eu havia sido sempre gentil com ele.
Quando respondi, de forma simpática, ele se mostrou feliz e aliviado. Acho que se surpreendeu com a receptividade, talvez. Papo vai, papo vem, ele se explicou um pouco mais. Disse que tinha dado uma vacilada uns dias, deixado para depois a resposta e foi ficando sem jeito. E quanto mais sem jeito foi ficando, mais adiava a mensagem de resposta. Foi se encalacrando. Quando viu, os dias se tornaram meses.
O constrangimento, aquela resistência em lidar com a falta de cuidado que ele sabia que tinha tido foi adiando o contato e tornando mais difícil “reaparecer”. Mas acabou que a vontade de fazer o certo falou mais alto e ele tomou coragem para me escrever.
Muito mais do que o sumiço dele, o reaparecimento com esse pedido de desculpa mexeu comigo. Independentemente das razões, essa tentativa de reparar o dano possivelmente causado me fez pensar e lembrar um monte de coisas.
Eu já vinha refletindo há tempos sobre importância das reparações. Inclusive é um assunto constante aqui em casa, quando interfiro nas brigas dos meus filhos. Sempre obrigo que peçam desculpas, façam gestos de carinho e que, antes mesmo disso, quando a situação é física ou atingiu para valer o emocional do outro, busquem saber como o outro está e tentem ajudar na prática, seja pegando gelo, chamando um adulto para cuidar da situação, ou dando acolhimento.
Porque, em muitos casos, não basta pedir desculpa. Antes dela, ou acima dela, vem a necessidade do cuidado, a preocupação em ajudar a pessoa e aplacar o estrago feito.
Mas, claro, o pedido de desculpa tem sim um valor moral importante. E, mais do que isso, muitas vezes o pedido de desculpa, genuíno e sensibilizado, é em si uma forma prática de ajudar a curar a dor de quem saiu machucado, caso seja uma questão sentimental.
Não apenas um pedido formal, burocrático, protocolar, sem qualquer emoção envolvida. Mas falar sobre a relevância do outro, e sobre o quanto você se importa e gostaria de ter evitado a situação, o quanto o ocorrido teve um impacto para você também, pode ser um antes e depois para quem saiu de uma situação com alguma dor.
No meu último término de relação, enquanto eu buscava me recuperar, ficou muito claro que a postura do meu “ex”, após tudo de ruim que havia me causado, fez muita diferença. Não demorou muito para eu perceber que, muito mais que a decepção que eu havia vivido, foi esse momento posterior, a falta de qualquer demonstração de consideração, carinho ou cuidado, que mais me feriu.
Alguém que não se dá ao trabalho de tentar mostrar que você tem importância, e que sentiu arrependimento pelo sofrimento gerado, faz com que você comece a duvidar que tenha sido amado, gera uma sensação de menos valia. A gente começa a questionar tudo que viveu e a duvidar da verdade dos sentimentos do outro na relação, seja ela qual for.
Eu já vivi um outro término, há muitos anos, que não gerou o mesmo estrago por ter tido um contexto bem diferente. Mesmo assim, vejo que a frieza dele para finalizar o relacionamento e as atitudes que se seguiram, me deixaram uma marca emocional. Esse ex-namorado foi maravilhoso enquanto durou, e olha que durou mais de dez anos. Uma relação que, apesar da pouca idade de ambos, mais parecia um casamento. No entanto, ele terminou de forma absolutamente inesperada e “seca”, e depois disso me cortou completamente da vida dele.
Não houve jamais um “parabéns” no aniversário, uma demonstração de afeto e consideração de qualquer tipo por mim ou pela minha família, que era uma família para ele também. A sensação que tenho é que ele foi pra Marte e por lá ficou. Foram várias camadas de frieza pós-término, como fingir que não me conhecia na primeira vez que nos esbarramos, no casamento de uma amiga em comum.
Um dia, bastante tempo depois, esse “ex” me procurou. Parecia ter caído em si e propôs um encontro claramente com a intenção de fazer um “mea-culpa” e colocar as coisas de uma forma menos aberrante. Eu achei o gesto importante e topei. Só que a emenda saiu pior que o soneto. Algumas horas antes do tal encontro, ele mandou um e-mail, desmarcando de forma bem leviana e “gelada”. E sumiu de vez.
Essa lembrança, junto à vivência de mais um “pós-término” traumático, além de gerar reflexões, me fez retomar uma vontade que eu tinha de tentar reparar um erro que eu mesma cometi com um ex-namorado. Depois de idas e vindas e uma relação confusa, acabei terminando por WhatsApp.
Eu não estava bem, ele estava em outra cidade, e aconteceu dessa forma. Na época eu nem sabia se aquele término seria mesmo definitivo, estava tudo muito turvo. Mas acabou sendo. A relação que, mesmo tendo durado poucos meses, foi marcante para mim, acabou sendo finalizada de uma maneira que não equivalia ao que havia sido vivido.
Mandei, então, uma mensagem, tentando reparar o estrago feito de alguma forma, ressaltando o quanto tinha carinho por ele, deixando claro que o relacionamento tinha sido muito importante para mim e dizendo que esperava que ele estivesse bem e feliz. Foram cinco anos entre o término do namoro e esse contato.
Ele me respondeu com muita surpresa e também com muito carinho. Assim como eu, ficou nitidamente feliz por poder reconstruir esse desfecho. Contou que está casado e tem um filho pequeno. Falamos sobre o passado, algumas questões vieram à tona, e tudo se encaixou melhor. Agora mantemos contato pelo Instagram e conseguimos firmar uma amizade, mesmo que apenas virtual. O carinho de ambos está claro e pude de alguma maneira fazer as pazes com uma parte do meu passado.
Fico pensando que, depois de um certo tempo de vida, acumulamos muitas histórias. E assim como acumulamos diversas conquistas e memórias de tempos felizes e realizações inesquecíveis, também vamos acumulando recordações de situações de descaso, falta de consideração, leviandade afetiva e até crueldades emocionais. E isso vai nos tornando mais descrentes, mais “cascudos”, mais desconfiados, mais céticos. Vamos nos protegendo das dores, e com isso acabamos não nos abrindo da mesma forma para possíveis alegrias.
É por isso que acho tão importante buscarmos reparar nossos erros. Erros com amigos, familiares, amores e até com os tais “contatinhos”. Vale a pena arriscar parecer exagerado ou fora de contexto. O erro pode ser antigo, mas a reparação é sempre atual, não sai de moda. Não existe reparação que seja patética ou vergonhosa, se houver sinceridade e honestidade, e as intenções forem boas. Existe o risco de ouvir um desaforo, talvez, mas faz parte.
Fora poucas e trágicas exceções, o pior erro em geral não é o erro em si, e sim a forma como lidamos com os danos causados. É isso que fala mais de nós e que deixa marcas mais profundas e traumáticas nos atingidos. As histórias não acabam quando terminam. Consideração, responsabilidade, empatia, solidariedade, gratidão, gentileza. Sempre é tempo para tudo isso.
Muitas vezes as pessoas não precisam mais cicatrizar a ferida que você causou, mas seu gesto vai servir de inspiração para que ela volte a acreditar em atitudes positivas e cuidadosas, que volte a agir de maneira aberta, sabendo se proteger, mas sem exagerar no receio de se machucar.
Que a gente possa amenizar as feridas de tantos que fizeram parte de nossos caminhos. Ainda é tempo, não é ridículo, faz sentido. Você pode não ser mais tão importante para alguém, ou talvez jamais tenha sido. Mas seu gesto de reparação pode, sim, fazer diferença. E, quem sabe até, trazer boas surpresas.