Acredite se quiser
Leia na crônica de Manoel Carlos
Na pequena cidade do interior de São Paulo onde por muito tempo minha família procurou sossego na semana do Carnaval existia um pequeno e velho cemitério, construído nos fundos de uma igreja também centenária. Ali, contava-se, estavam sepultados os membros afortunados da região, ou mais explicitamente: os donos de terras, os donos do dinheiro, os donos de tudo.
Eram comuns as lendas sobre aparições assustadoras, que perseguiam as crianças que se aventuravam nas ruas durante o crepúsculo.
Nos anos que se estenderam entre 1940 e 1950, eu e minhas irmãs, na companhia da nossa mãe, passávamos lá os três dias de uma inexistente folia. Por que lá? Nunca soubemos a razão ou razões dessa preferência do meu pai, que nos enfiava numa das muitas e desconfortáveis pensões familiares que ali existiam, enquanto ficava solto em São Paulo, na companhia de um primo solteirão e alegre.
— Alegre porque solteirão — afirmava meu pai, tentando fazer graça. E, como resposta, minha santa mãe murmurava:
— Solteirão porque mulherengo. Moça nenhuma se interessa por homem que corre atrás de todas.
Pois bem: muitos anos depois, passei pela cidade, casualmente, e vi — com olhos de adulto — a igreja e o cemitério que ainda se erguiam na praça. Era uma tarde de calor e preguiça, mas fui andando sem rumo, me afastando do pequeno centro comercial. Bem ou mal, entrei no cemitério. Caminhei entre os túmulos — lendo os nomes, as datas, as frases religiosas, além dos epitáfios.
De repente, bati os olhos numa lápide, onde se lia: “Não demora, Jorge”. E assinado embaixo: Amor eterno da Sílvia. Fiquei intrigadíssimo. Fui até o velho homem que andava por ali e que se apresentou como zelador do cemitério. E ele me contou:
— Vou lhe contar uma história. Essa moça aí, Sílvia, morreu com 19 anos, noiva desse Jorge que você lê aí. Um dia antes do casamento, o rapaz sumiu, sem dar satisfação a ninguém. E ela então, ferida em seu amor, adoeceu gravemente, morrendo, e deixando o pedido para que colocassem essa inscrição em seu túmulo: Não demora, Jorge.
— Que história bonita e trágica — disse eu, impressionado.
— Pois é. Agora olhe o túmulo ao lado e leia a inscrição.
Obedeci e li: “Cheguei, querida”. E assinado embaixo: Jorge.
Tive de sentar e beber um copo de água que o velho homem me ofereceu, dando a informação que estava faltando:
— Ela morreu em 1920 e ele em 1960.
— Meu Deus, ela ainda esperou quarenta anos por ele!
E o homem, sabiamente:
— Mas, se o amor é eterno, o tempo não importa!
Saí meio zonzo e entrei num bar ao lado. Pedi mais um copo de água e contei o que havia acontecido.
— Quem lhe contou essa história?
— O velho zelador.
— Impossível. Ele morreu há mais de vinte anos e nunca conseguimos um substituto. Se ele fosse vivo, comentou o comerciante, rindo, teria mais de 100 anos!
Saí correndo, acredite.