Amor dói?
"Amar é que é bom. E sofrer por amor é melhor do que ficar sozinha, olhando para a televisão e para o telefone sem tocar!"
Estão pensando o quê? Que o meu coração é lata de lixo? Nasci para me ferrar? É isso que a senhora acha?
Foi assim, com essas palavras e com esse ímpeto, que a Silvinha reagiu quando a mãe do namorado apareceu, na porta de sua casa, para dizer que jamais havia concordado com aquele namoro. E que não se importava com a gravidez prematura da moça.
A discussão prometia ir longe.
— A senhora só pensa em luxo, em limusine, exibindo-se para os vizinhos! Só pensa em situação financeira, em grana. Em recepção. Em banquete com cascata de camarão!
— Quero só o melhor.
— Não vejo a senhora falar em amor, em felicidade! Nem por um minuto, nunca a senhora olhou para a minha barriga e sorriu pensando na netinha que está aqui dentro.
— Você está vendo muita novela. Amor e felicidade! Vai pensando que é assim, vai!
— A senhora nunca passou a mão na minha barriga pensando na criança que está aqui dentro!
E passava a mão na barriga, feliz, como se estivesse carregando dentro dela a própria felicidade. E poderia estar mesmo, não é?
A futura sogra — já agora não muito futura — tentava dar o troco:
— Em que época você está vivendo? Seu discurso está fora de moda!
Silvinha fingia não ouvir. E seguia falando, enquanto encarava aqueles que paravam para ouvir. Alguns riam.
— E acha que eu acredito na sua barriga?
Aí algumas pessoas aplaudiram e outras vaiaram. Alguém observou com razão.
— Êêêê, calma aí. Não se mete nem mãe, nem esposa nessas discussões.
— Quero que o meu filho tenha pai. Dá para entender? Seu filho me deu o fora? Tudo bem. Não tenho vergonha de dor de cotovelo, mas não vou mais correr atrás dele não! Chega! Ele que case com quem quiser! Ou melhor, com quem a senhora quiser! Vai quebrar a cara, que eu sei! Agora, meu filho, aliás, minha filha, vai se chamar Soraya Vasconcelos Silva. Vai estar lá, no registro civil. Não tem importância que eu seja solteira, não tem importância nada!
E, olhando, olhos nos olhos, o punhado de gente que parava e ouvia, disse, divertida:
— Puxa vida! Mas será que ninguém me diz uma coisa bonita? Eu me sinto tão alegre por dentro, tão… tão feliz! Na rua, as pessoas desconhecidas olham para mim, sorriem, parece até que sabem e me animam, me fazem carinho com os olhos… Eu percebo isso na cara dos estranhos! E da senhora, só má vontade e cara feia.
— Não tem juízo, não?
— Então, viver sozinha, curtir fossa, dor de cotovelo, não se envolver, não se comprometer, não gostar de ninguém, não amar, não me apaixonar… isso é que é não ser louco? Isso é que é ter juízo? E querer ter um filho? É loucura? A gente nasce para sofrer, só para sofrer? Então é uma desgraça se apaixonar? E viver sem paixão é uma boa? Meu Deus! Alguma coisa deve estar errada nisso tudo! Amar é que é bom. E sofrer por amor é melhor do que ficar sozinha, olhando para a televisão e para
o telefone sem tocar! Pois fique sabendo que eu prefiro morrer de amor a não ter ninguém. Para mim, um coração vazio
é muito mais triste do que um coração que sofre!
Algumas pessoas chegaram a aplaudir. E aí então a Silvinha concluiu com uma voz embargada:
— Se amar dói, estou aqui para sofrer! Pode vir! Estou de coração aberto! E a porta de casa também!