Falávamos… Sobre o que falávamos? Falávamos de amor, que é um assunto universal, que se dá a conhecer em qualquer língua e qualquer cenário.
Os velhos não falam muito no amor, mas sentem fortemente sua chegada e sua partida. E não se escondem atrás dos disfarces, nem fazem questão de ser nomeados como terceira idade e chamados de idosos. Para mim, pelo menos, são esses disfarces que amedrontam, como se envelhecer fosse a mais cruel das enfermidades. Há que se domar o temor que sentem os velhos de ser considerados carta fora do baralho. Daqueles que temem, mais que a morte, a doença, o Alzheimer, uma palavra que todo mundo aprendeu a escrever e a pronunciar corretamente em pouquíssimo tempo!
Nossa amiga Carla, que participava da conversa, acrescentou em voz baixa:
— O problema não é apenas a doença, mas tudo o que chega com ela. O pacote ao qual ela pertence. O esquecimento, por exemplo.
E o Raul, que até então parecia cochilar, mas que estava atento, quebrou a tensão:
— O fraldão geriátrico, outro bom exemplo.
E foi uma gargalhada geral. Mais uma taça de vinho e o tema da conversa foi reanimado:
— Falamos de amor, sim, e de sexo, seu parceiro. Mas não exclusivamente da relação amorosa, do bem-sucedido encontro entre duas almas, dois corações, dois corpos que se entregam. Nem do amor quando o amor acaba… O temido desamor.
E também não só desse. Desse que muitas vezes relutamos em admitir a presença.
Não só esse temido desamor, vale repetir. E fugimos do amor muitas vezes. Temos vergonha de confessar o amor que sentimos por alguém. Como é difícil dizer simplesmente eu te amo. Como é difícil dar o braço ou um beijo.
Léo, o mais novo entre nós, fez uma confissão inesperada:
— Vocês sabem que eu fui casado com a Alice durante vinte anos.
Todos nós sabíamos. E ele continuou:
— Quando terminamos e nos separamos, por um bom tempo escondi de muitas pessoas esse acontecimento. Até mesmo de alguns parentes. Sabem por quê?
Silêncio na mesa.
— Eu tinha vergonha de contar. Pior ainda: tinha vergonha de confessar que ainda amava minha mulher.
Era uma confissão sincera e aberta a do nosso amigo. Vergonha de ainda amar, medo de confessar esse amor.
Mais tarde, já deitado, com minha mulher dormindo ao lado, me veio à lembrança um dos mais belos poemas que eu até hoje conheci. O autor: Geir Campos. Um grande poeta brasileiro. Chama-se Alba.
Não faz mal que amanheça devagar,
as flores não têm pressa nem os frutos:
sabem que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.
Portanto não faz mal que devagar
o dia vença a noite em seus redutos
do leste — o que nos cabe é ter enxutos
os olhos e a intenção de madrugar.