Muitos leitores me pedem para não esquecer, nestas crônicas, da turma do Café Severino. Gostam da diversidade de opiniões que sempre se estabelece nas nossas discussões. Não apenas nos temas que povoam esses encontros, mas na maneira de abordar cada um deles. E acham divertidas as manifestações.
Como eu já contei aqui, esses leitores acabam sugerindo temas que muitas vezes aproveito, já que existe uma identificação entre todos. A verdade é que somos velhos de todas as idades!
Bem, no último encontro da nossa turma falamos de amor. Mais precisamente do amor em família. Mais explicitamente: entre familiares. Pais, irmãos, primos…
— Mais explicitamente ainda: primas — emendou o Raul.
Eu continuei alimentando o diálogo para que o tema não se perdesse entre tantos parênteses.
— Não posso negar que prima é sempre uma tentação em família. Mais do que os garotos, os primos.
E, fixando a pauta, concluí:
— A velha questão é: pode-se chegar a uma paixão sem ter passado necessariamente pelo amor?
— As pessoas pensam que paixão é mais que amor.
— Que é o amor desvairado.
— As pessoas dizem com mais frequência “estou apaixonado” do que “estou amando”. É mais forte.
O tema derivou para o comportamento que diferencia primos e primas. Os garotos são sempre mais atrevidos, e quando olham para uma prima começam sempre de baixo e vão subindo, o que significa que os olhos são deixados por último. E, no entanto, todos sabem que é pelos olhos que se chega ao amor.
— Ao amor, pode ser, não à paixão, que pode começar por qualquer parte do corpo. É muito comum começar pelos pés, por exemplo. Já perceberam como existem gravuras antigas que mostram o homem segurando e beijando delicadamente pés femininos?
— Fetichismo.
— Que seja!
E, na pausa que se fez, alguém pediu mais uma rodada de queijos e vinho.
Pouco queijo e pouco vinho. Apenas a saideira. Afinal, com a proximidade do feriado prolongado, era melhor guardar um pouco de energia. Isso acabou levando um dos presentes a mudar de assunto:
— Quais os planos para este feriadão?
— O cinema é a minha escolha de sempre — afirmei eu.
— Também estou pensando em assistir a três ou quatro filmes nestes dias de folga. E vou começar pelo Doutor Estranho, que é um dos mais indicados nos sites especializados. Depois comento com vocês.
E, como o assunto foi morrendo e a noite já se aproximava, fomos saindo do Severino, um a um. Foi quando a doce senhorinha, que nos ouvia da mesa vizinha, me fez um sinal. Eu me aproximei.
Ela foi direto ao assunto.
— Eu estava ouvindo o que vocês falavam sobre o amor e a paixão.
— E a senhora aprovou?
— Faltou ao diálogo de vocês uma chave de ouro para fechar o tema.
— E a senhora tem essa chave?
Ela fez uma pausa estratégica e concluiu:
— A maior expressão de afeto não é o amor e, menos ainda, a paixão. Mas a amizade.
E mais não disse a doce senhorinha. Nem precisava.