Eis que na última segunda-feira avistamos o começo do outono, que esperávamos desde março, como nos prometia o calendário oficial. Com isso, tivemos um prolongamento do verão, com praia e céu azul e, consequentemente, muitas noites amenas. Foi bom. Os namorados aproveitaram por mais tempo o sol e também as noites de luar. Com essa inconstância meteorológica, muitos adoeceram, apesar da vacina e dos cuidados naturais com pessoas da minha idade. Melhor dizendo: da nossa.
— Já estamos todos na idade do cachecol.
E o assunto voltou a ser o tempo:
— O problema comigo é a garganta.
— Comigo, as costas!
— E o peito.
— A corrente de ar é o perigo. O vento encanado.
— Meu pai chamava corrente da morte.
Nessa segunda-feira não tomamos vinho, inaugurando a estação que enfim chegava, mas uma boa caneca de café com leite ou chocolate salpicado de canela. E assim então, reencontrávamos o friozinho, o esfregar das mãos à saída do cinema, a fuga das rajadas de vento nas esquinas e às lembranças de verões findos, com pessoas findas, mas com novas e auspiciosas crianças, que serão adultos amanhã.
— Minha mãe, disse eu, forrava os meus sapatos com jornal para aquecer os pés quando eu saía cedo para o Grupo Escolar.
— Nossa, nem me lembrava disso, lamentou alguém. Minha mãe fazia o mesmo. Uma vez usou o jornal do dia, que meu pai ainda não tinha lido, provocando uma tensa discussão e azedando o almoço.
Após uma pequena descontração, seguiram-se outras lembranças. Preocupei-me com a possibilidade de enveredarmos tristeza adentro. Nesse momento ouvimos uma voz feminina que conhecíamos bem:
— A melhor coisa nas noites frias é dormir de conchinha.
Era a Carla e sua habitual irreverência. Ambiente desanuviado, ainda nos detivemos na infância, já que da infância ninguém esquece, tenha sido ela boa ou má.
— Falando em criança, tenho hoje o aniversário de um sobrinho e não sei o que comprar de presente. Um garoto de seis anos.
Dividiram-se as sugestões entre livros e brinquedos. Mas eu, levado por uma lembrança, dei o meu palpite.
— Dê um ser vivo. Um cãozinho, um gato, uma tartaruga…
— Ah, isso vai dar trabalho à minha irmã.
— E muita alegria para o filho dela. Não pode existir companhia melhor para uma criança. E de grande valor pedagógico. Lembram-se do poema do Manuel Bandeira?
E disse os poucos versos que eu sei até hoje de cor:
“Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”
Todos se enterneceram.
O porquinho-da-índia salvou a nossa tarde ameaçada pela melancolia de algumas lembranças.
Alguns dias depois, Carla me ligou e me agradeceu. Perguntei na hora:
— E o presente?
— O maior sucesso da festa. Não encontrei um porquinho-da-índia, mas uma cachorrinha linda, que acabou de desmamar e que dormiu com o meu sobrinho, no quentinho da sua cama. Obrigado. Fico te devendo essa.