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Blog do novelista Manoel Carlos
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Esperança

Quando participamos de uma novela, seja escrevendo, seja atuando, fazemos novos companheiros de jornada, além de reatarmos (digamos assim) os laços estabelecidos num trabalho anterior. Uma espécie de amizade de caixeiro-viajante, que, por onde vai, vai levando novos rostos, novas vozes, colecionando amigos que se perderam e que de repente ressurgem, num flashback contínuo. E […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h31 - Publicado em 13 Maio 2016, 23h06
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Quando participamos de uma novela, seja escrevendo, seja atuando, fazemos novos companheiros de jornada, além de reatarmos (digamos assim) os laços estabelecidos num trabalho anterior. Uma espécie de amizade de caixeiro-viajante, que, por onde vai, vai levando novos rostos, novas vozes, colecionando amigos que se perderam e que de repente ressurgem, num flashback contínuo. E assim como das pessoas, gostamos também de lembrar das cidades por onde passamos, os pequenos hotéis onde nos hospedamos, a comida das pensões familiares, os amores de ocasião, sem lastro, mas que nas noites frias aquecem como as grandes paixões.

Pois então: eu sou um caixeiro-viajante há mais de sessenta anos na estrada. Já fiz um pouco de tudo. E, com essa quilometragem de vida vivida, é fácil calcular o número de rostos que conheci e que muitas vezes desfilam na memória, sejam eles protagonistas, coadjuvantes ou figurantes desse grande teatro do mundo, que nos reserva dias de alegria, dias de tristeza.

Por que estou escrevendo essas palavras? O que me levou a esse assunto? Eu respondo: foi Umberto Magnani. A morte desse grande amigo e admirável homem de teatro, cinema e televisão. É comum que seja assim: a morte nos levando à vida, através do flashback contínuo que eu menciono no início da crônica. Uma amizade bordada com admiração. Pude dar testemunho dessa devoção escrevendo personagens para ele em todas as minhas novelas. Se em alguma ele não entrou, foi por estar escalado numa outra, ainda no ar. Lembro-me de tudo o que ele fez e de como fez os papéis que escrevi. Ao saber da sua morte, o que me veio à memória no mesmo momento não foi uma das suas interpretações magistrais. Não. Foi uma pequena cena que vivemos nos bastidores de Presença de Anita, a minissérie que escrevi para a TV Globo em 2001. Ao terminar de escrever os dezesseis capítulos, eu me dei conta da ausência de um personagem para o Umberto. E criei um. Um médico, que entrava em pequenas cenas, com pouco texto. Uma participação apenas. Quando o encontrei no estúdio, fui direto ao assunto, me desculpando por dar a ele um papel tão pequeno. E o que ele me respondeu jamais será esquecido:

— Sabe o que eu penso sobre o tamanho de um papel? Que é bom que seja pequeno, porque assim podemos criá-lo com mais dedicação, e, portanto, melhor.

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Tão modesto e tão sábio!

Ainda nesse encontro, ele me falou da Esperança como a mais enigmática entre todas as palavras que conhecemos.E me disse esses quatro versos de Carlos Drummond de Andrade que fecham o poema Viver:

Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?

O mundo estava pequeno demais para o Umberto. Por isso, ele foi embora.

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