Não sabia — ou sabia e esqueci — da existência desse tal Dia da Gratidão de que tanto se falou neste ano. O que aconteceu? Descobriram só agora essa virtude humana e ao mesmo tempo divina, assim como uma pizza “mezzo aliche, mezzo mussarela”?
E por que no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, há tanto tempo no calendário cristão? Vou procurar saber no Google, que tudo sabe e tudo ensina, mas jamais nos pusemos a verificar a veracidade desses ensinamentos. Sim, porque, se o Google ensina, quem ensina ao Google?
Carla — que continua sendo a única mulher com presença fixa nas reuniões do Café Severino — acha que é no Dia de Reis para estimular uma troca de presentes, já que esse estímulo circula por todos os dias do ano. Comprar, comprar, comprar…
O Raul discordou do dia escolhido, pois existem várias datas identificadas como Dia da Gratidão. E pelo celular, quase ao mesmo tempo, colocou-se o Google para pensar e resolver, e ele mesmo não soube afirmar, com precisão absoluta, qual o
dia certo. Não se chegou a um resultado comprovado. Ou melhor e mais confuso ainda: chegamos a vários resultados dados como verdadeiros.
Mas o que me veio à memória, quando eu saía do café e atravessava os corredores da Livraria Argumento, já a caminho de casa, respingado da chuva que marcou presença logo nos primeiros dias deste ano, foi a lembrança de um pequeno livro, magrinho, magrinho, que carrega justamente o nome de Gratidão. Seu autor: o neurologista Oliver Sacks. Na primeira vez em que li esse livro fui tomado de um sentimento tão profundo de solidariedade e amor ao próximo que pensei em entrar num convento e me transformar num monge silencioso e humilde, tão humilde que se afastasse da própria sombra ao caminhar sob o sol. Na época comprei vários exemplares, andava com eles e ia distribuindo-os aos amigos ocasionais que encontrava nas ruas do Leblon. A pequena edição é da Companhia das Letras, com a data de 2015, pouco antes de Oliver Sacks nos deixar. Um dos seus textos mais sábios e serenos está nestas poucas palavras:
“Encontro meus pensamentos rumando em direção
ao Shabat, o dia de descanso, o sétimo dia da semana,
e talvez o sétimo dia da nossa vida também, quando
podemos sentir que nosso trabalho está feito e,
com a consciência em paz, descansar”.
Minha gratidão a Oliver Sacks por todas as revelações que nos deixou. Pelos sábios exemplos que nos transmitiu e por todo o amor que brilhou em seu coração.