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A última crônica — Dá-se um Jeito — rendeu alguns comentários de amigos e leitores, além dos conhecidos eventuais, como os que cruzam comigo no Café Severino, nas ruas do Leblon, na padaria e no Talho, nas praças e no calçadão. Talvez nenhum deles saiba nem sequer imagine quanto me estimulam, mesmo quando não gostam […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h20 - Publicado em 22 out 2016, 00h00
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    A última crônica — Dá-se um Jeito — rendeu alguns comentários de amigos e leitores, além dos conhecidos eventuais, como os que cruzam comigo no Café Severino, nas ruas do Leblon, na padaria e no Talho, nas praças e no calçadão. Talvez nenhum deles saiba nem sequer imagine quanto me estimulam, mesmo quando não gostam ou não aprovam o que escrevo. Alguns dão apenas um alô ou fazem um comentário preciso e lacônico:

    — Boa a última.

    — Fraquinha.

    — Gostei.

    — Frouxa.

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    — Sem graça.

    — Fofa.

    Enfim: aquelas opiniões preciosas pela espontaneidade. É um agrado que me fazem, com toda a liberdade de criticar acidamente, se assim quiserem. Quando me fazem parar, bem, aí então sei que vem comentário fundamentado em alguma motivação pessoal.

    Os jovens não são tão frequentes. Penso não agradar muito aos menores de 50 anos. Entendo. Meus temas mais comuns rondam sempre a velhice, o passado e, consequentemente, a saudade.

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    Os jovens não gostam ou gostam pouco dessas manifestações que, mesmo sem choradeira, guardam um travo de amargor. Sim, há nos velhos, ainda que exibam vigor e otimismo, uma melancolia inerente.

    Mas os jovens que aguardem: os 50 chegam, assim como os 60, 70 e 80. A partir daí, a vida passa a ser conquistada palmo a palmo. E é precisamente esse árduo garimpo de dias bons entre os maus que nos faz felizes e nos empurra para a frente. Viver tem um custo elevado. Viver muito, elevadíssimo.

    Cito muitas vezes, com vários propósitos, o verso de Fernando Pessoa: “E ri como quem tem chorado muito”.

    Isso é tão verdadeiro que só mesmo os poetas dão conta e percebem sua nitidez, tanto como referência filosófica como às graças de uma comédia.

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    — Nossa, ri de chorar!

    Bem, esse longo preâmbulo nasceu do encontro na Praça Antero de Quental com uma pessoa que se apresentou como ex-vizinho da minha família. Um homem mais ou menos da minha idade.

    — Suas crônicas me levam sempre a belas viagens interiores.

    Agradeci, enquanto ele continuava:

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    — Minha família foi vizinha da sua há mais de setenta anos, o que significa que crescemos juntos. Sou o Aristides.

    — Aristides… Aristides, murmurava eu, tentando lembrar.

    — Tide, acrescentou. Sou Tide para todo mundo, desde aquela época. Não se lembra mesmo?

    E eu não me lembrei. Pedi desculpas, nós nos reapresentamos, trocamos e-mail, e lá fui eu de volta à minha caminhada.

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    Uma hora depois, já tomando o caminho de casa, tive uma revelação súbita e exclamei em voz alta:

    — Tide! Tide! Claro que me lembro. O marido da dona Alzira, a mulher que apanhava!

    Algumas pessoas me olharam, sorrindo. Foi uma enxurrada de episódios que me tomaram todo o pensamento. Cenas do passado me invadiram com uma força avassaladora.

    Vou contar pra vocês…

    Mas vejo que já escrevi as 3 000 palavras que devo escrever. Então, com o meu pedido de desculpas, tenho de deixar essa história para outro dia.

    Me aguardem.

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