Em meio a filmes de todos os gêneros e infindáveis temporadas de séries de diferentes países, há uma pequena joia escondida no vultuoso catálogo da Netflix: a produção australiana Amor no Espectro. A série documental revela as ambições amorosas de jovens que – assim como qualquer outro de suas idades – tem o sonho de se apaixonar, casar e viver uma história amorosa. A única diferença é que eles têm o diagnóstico de espectro autismo.
Esqueça o lencinho. A série não é para chorar de tristeza ou piedade – ao contrário. Amor no Espectro consegue ser solar, positiva. Mesmo quando as histórias amorosas não dão certo, a direção consegue imprimir, a cada final de episódio, um fundo de esperança de que outras chances podem estar a caminho dos personagens. A falta de autocensura no que dizem – uma das características do autismo – deixa os personagens divertidos e ainda mais adoráveis. Quando você menos espera, está entregue a eles e torcendo por sua felicidade.
Se cantar alguém, pegar na mão ou dar o primeiro beijo pode ser motivo de suficiente tensão para qualquer pessoa, gera ainda mais expectativa em quem enfrenta dificuldades de comunicação e interação social como os autistas. Mas o que a série mostra é que, a despeito de sua condição, os personagens vão à luta em busca de um amor. Uma lição e tanto de superação e determinação.
É interessante notar o grau de autonomia que os pais daqueles jovens dão aos filhos: eles estudam, trabalham, dirigem, saem sozinhos à rua. Claro que isso só é possível porque os personagens da série não têm um autismo grave – sabemos que nem todos os casos são assim e o grau de dependência do autista varia. De todo modo, os pais os olham com maturidade: os filhos são adultos e responsáveis por seus atos e escolhas (ainda que a câmera capte momentos de hesitação ou temor dos pais quando o filho não está presente na cena). Afinal de contas, nenhum pai deseja que o filho sofra, seja ele autista ou não.
Também chama a atenção a forma natural com que aqueles jovens vivem a sua sexualidade. Alguns se identificam como bissexuais, outros são fluidos, tudo com uma normalidade surpreendente, se compararmos com os padrões brasileiros de aceitação e tolerância. A série nos mostra que o Estado e a sociedade australianas são bem organizados e empáticos com os jovens que tem algum transtorno mental, realizando festas temáticas voltadas exclusivamente para a socialização deles.
A vida amorosa não é fácil, para quem está ou não no espectro autismo. Mas a busca por um parceiro ou parceira pode ser uma jornada nobre, de aprendizado e fortalecimento. Não sou uma psiquiatra especializada em autismo infanto-juvenil e mesmo assim maratonei todos os episódios. Então, na próxima vez que você se flagrar à procura de alguma série para assistir na Netflix, permita-se, assim como eu, aprender e se encantar com a sensibilidade de Amor no Espectro. Porque qualquer maneira de amor vale a pena.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.