O comportamento de alguns brasileiros diante da crise do coronavírus tem chamado a atenção. Primeiro, foi o empresário paulista que fez o exame no Hospital Albert Einstein, não esperou o resultado e embarcou para um festão na Bahia. O resultado para seu teste deu positivo para Covid-19. E o que aconteceu? Funcionários e vizinhos no condomínio onde ele estava hospedado tiveram que ficar em quarentena e dezenas de convidados da festa foram contaminados.
Em Goiás, uma mulher foi condenada pela Justiça a permanecer em casa depois de insistir em circular pelas ruas, mesmo sabendo estar contaminada pelo coronavírus.
Enquanto isso, em um condomínio na Gávea, moradores foram para as janelas protestar contra os vizinhos que aproveitavam o dia de sol na piscina enquanto a ordem era de recolhimento absoluto em casa, em nome do bem estar do grupo.
O “jeitinho” é um traço de comportamento arraigado na cultura do nosso povo. Atos como subornar o guarda, furar fila, andar no acostamento ou estacionar em fila dupla são gestos recorrentes e assimilados em nossa sociedade. São atos em que, a priori, o dano a outro ser humano é potencialmente pequeno. É imoral, sem dúvida, mas não põe a vida de ninguém em risco de forma tão explicita.
O que vemos neste momento de crise é que alguns brasileiros tem o hábito do “jeitinho” tão arraigado em sua conduta social que se sentem confortáveis para driblar as ações de prevenção ao coronavírus. É só mais um “jeitinho” na longa fila de “jeitinhos” com que se portam no mundo. Para preservar seus interesses passam por cima da relevância dos outros. É como se essas pessoas se atribuíssem o direito de valorar a vida dos demais e arbitrar sobre elas.
Quando agem como os casos relatados acima, as pessoas se portam de maneira egocêntrica e mesquinha, verdadeiros parasitas sociais, uma espécie de psicopatia. Acreditam que a lei dos homens não se aplicam a eles. Tem total falta de empatia, compaixão, culpa e remorso entendendo empatia como a capacidade de se colocar no lugar do outro e compaixão, que envolve um intenso interesse no bem estar alheio.
Em alguma dose, a maldade existe desde sempre na Humanidade. Mas o que é relevante nestes casos é a extensão do dano provocado à vida do outro. Os casos que estamos assistindo agora, certamente, não são os únicos neste momento. Multas e punições já estão sendo praticadas pelas autoridades, em diversos lugares do mundo, para quem não se comportar de acordo com as regras impostas.
Os dias que correm são sofridos para todos nós, em maior ou menor medida. Em nome do coletivo, todos estamos abrindo mão de dezenas de compromissos, do convívio, do beijo e do abraço, tão brasileiros.
O coronavírus necessita de uma postura tão rigorosa como a da campanha “Mexeu com um, mexeu com todos”. Trata-se de um vírus que não escolhe classe social, raça, gênero ou idade. Estamos assistindo a uma doença que não dá grande vantagem nem mesmo a quem tem dinheiro, ativo que costuma subir à cabeça dos arrogantes. Parece que precisávamos passar por uma peste para nos relembrar que “ser” continua valendo mais do que “ter”.
Depois do enfrentamento e a luta por salvar e sobreviver, talvez possamos seguir as palavras de Caetano Veloso na música “Tá Combinado”: “Abrirmos a cabeça para que afinal floresça o mais que humano em nós.”
Elizabeth Carneiro é psicóloga supervisora do Setor de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa do Rio, especialista em Psicoterapia Breve e Terapia Familiar Sistêmica, diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química e treinadora oficial pela Universidade do Novo México em Entrevista Motivacional.