Um dos maiores talentos da televisão hoje, Tiago Leifert surpreendeu o Brasil ao decidir deixar a TV Globo. Nada de corte ou demissão. Leifert escolheu, espontaneamente, deixar a emissora onde fez carreira e que o ajudou a se estabelecer como um dos melhores comunicadores do país. Para justificar a decisão, o apresentador alegou cansaço, os “vinte anos sem verão e sem Carnaval” e a vontade de aproveitar mais a esposa e a filha. Não se trata de uma questão de fama, dinheiro ou sucesso. A vida que vinha levando não satisfaz mais o apresentador. E é justamente a coragem de Tiago Leifert de se permitir mudar de rota que fez muita gente pensar na própria vida.
Até bem pouco tempo, vivíamos sob uma cultura que alimentava assumidamente o gosto em adestrar para uma vida regrada e estável. Toda essa estabilidade foi chacoalhada nas últimas décadas pelos millenials e a geração Z. Para eles, sucesso não é completar 50 anos dentro da mesma empresa, mas sim trabalhar com propósito e felicidade. Recente matéria do jornal The New York Times apontou a dificuldade em trazer os mais jovens de volta ao trabalho presencial nos Estados Unidos. Depois de quase dois anos, eles aderiram com gosto ao home office. É uma geração objetiva, que não vê graça no papo no cafezinho ou da fofoca de corredor, que prefere trabalhar com objetividade para aproveitar melhor, a seu critério, o tempo livre. Trata-se de uma mudança comportamental gigantesca.
E é talvez por isso que a decisão de Leifert tenha surpreendido tanta gente. Como alguém apresenta, em sequência, duas edições históricas do Big Brother Brasil, com recordes de adesão e retorno comercial, é chamado para substituir o apresentador Fausto Silva às pressas e, ainda assim, escolhe deliberadamente abrir mão de tudo isso? É um questionamento que passou na cabeça de muitas pessoas que não tem a coragem, a ousadia ou a possibilidade financeira de Leifert de jogar a vida profissional para o alto e recomeçar.
No seu livro “A Alma Imoral”, lindamente adaptado para o teatro pela atriz Clarice Niskier, o rabino Nilton Bonder fala sobre os ensinamentos do corpo diante das exigências da alma. “Saber entregar-se às contrações do lugar estreito rumo ao lugar amplo é um processo assustador, avassalador e mágico”, ensina o rabino. Tiago Leifert, com sua pouca idade e muita experiência, não nos deixa esquecer do respeito a si mesmo em abrir mão do lugar estreito rumo ao lugar amplo. E, de quebra, o apresentador nos deixa uma lição: o entendimento da vida profissional como uma temporada de reality show, desses que ele comandou tão bem nos últimos anos: finda uma temporada, fecha-se um ciclo para iniciar-se outra temporada, com todos os mistérios, alegrias e surpresas inerentes à vida.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.