Por Analice Gigliotti*
A interação médico-paciente é o assunto das séries “Sob Pressão” e “The Good Doctor”, da peça “Relâmpago Cifrado” e, volta e meia, frequenta as telas de cinema. Mas como melhorar a qualidade da relação que se estabelece em um consultório médico diante da cruel realidade de um país que sequer consegue atender seus doentes?
Outro dia agendei uma consulta médica particular. Chegando lá, estranhei a rapidez do atendimento do colega. Na hora de pagar pelo atendimento, a secretária me perguntou qual era o meu plano de saúde e tudo se explicou. Os baixos valores dos repasses dos planos aos médicos tem resultado em consultas cada vez mais velozes. É preciso “ligar o taxímetro” e ganhar na escala de pacientes atendidos, pensam alguns. Quem perde é o próprio exercício da Medicina.
Na esteira do slow food, ou seja, comer sem pressa, surgiu o movimento slow medicine. A “medicina sem pressa”, em tradução livre, prega uma prática mais humanizada, focada na relação que se estabelece na consulta. O símbolo da slow medicine é o caracol, animal conhecido justamente pela falta de compromisso com o tempo.
No jargão médico, anamnese é aquela primeira entrevista que o médico faz com o paciente e que dá origem ao prontuário. Qualquer profissional da área sabe a relevância de uma anamnese bem feita, atenciosa. No mundo acelerado em que vivemos, a Medicina, um ofício humanista por excelência, não foge à regra.
Em um determinado momento da peça “Relâmpago Cifrado”, a jovem médica defendida pela atriz Alinne Moraes cita a lista de leitura extracurricular que a oncologista interpretada por Ana Beatriz Nogueira sugere aos futuros médicos: Shakespeare, os gregos, Drummond. “A formação humanista de um médico é tão importante quanto sua formação técnica”, conclui a personagem de Ana Beatriz.
O Departamento de Psiquiatria e Comportamento Humano da Universidade Thomas Jefferson, no estado americano da Virginia, referenda o que diz a personagem. Um estudo mediu a empatia entre estudantes de Medicina e mostrou que é no terceiro ano que os alunos começam a se distanciar, ao invés de aprenderem a se aproximar dos pacientes.
Mas, aos poucos, as faculdades estão acordando para esse vácuo. A Unicamp criou um projeto para ensinar empatia e compaixão. O curso surgiu a partir de uma constatação dos alunos do último ano de Medicina: eles tinham uma formação técnica impecável, mas não sabiam lidar com pessoas.
“É do ser humano que nosso trabalho é feito”, arremata a personagem de Ana Beatriz Nogueira. Se os médicos se lembrarem disso com mais frequência nos consultórios do Brasil, teremos uma prática médica mais eficiente, saudável e empática.
*Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.