Há poucos dias, o ator Fábio Assunção postou fotos em seu perfil no Instagram vendendo saúde. Magro, lindo, saudável e bem disposto. Um fã, cansado de ver o ator ser alvo de vídeos humilhantes e de piadas de mau gosto, lançou a ideia de uma corrente do bem: viralizar as imagens do ator sóbrio. A internet comprou a ideia e, rapidamente, o nome do ator foi parar entre os assuntos mais comentados do Twitter.
Na mesma semana, o ex-jogador e comentarista Casagrande lançou o livro “Travessia”, em que relata detalhes de sua luta contra a dependência. Ele resumiu como uma “faca na alma”, os comentários que recebe em suas redes sociais o chamando de drogado. Dentre os relatos emocionantes, Casagrande conta que a Copa da Rússia, em 2018, foi a primeira a que conseguiu assistir sóbrio.
Casos de recuperação, como de Fabio Assunção e Casagrande, deveriam causar mais comoção pública. Por que nossa sociedade é tão ágil em criar memes cruéis e tão pouco gregária para celebrar a recuperação de um adicto?
Não se trata de um fenômeno exatamente brasileiro. Quantas e quantas vezes assistimos imagens de artistas como Amy Winehouse ou Britney Spears em situações constrangedoras, perseguidas por paparazzi à espera do próximo passo em falso das famosas? Mas em alguns países já percebe-se o movimento da “cultura da recuperação”, de valorizar a vitória de celebridades contra o álcool e as drogas. É o caso de estrelas como Ben Affleck, Bradley Cooper, e Brad Pitt, declarados adictos que, depois de uma longa caminhada, conseguiram se manter abstinentes.
Ainda assim, é preciso deixar claro que não há cura para a dependência química. O melhor resultado a que se pode chegar é a recuperação, um estado de vigilância e conscientização, que sustenta a abstinência e previne recaídas. O processo de recuperação de dependentes se constitui, dentre outras coisas, em ligar-se à pessoas ou grupos que também estão em recuperação, como os Alcóolicos Anônimos, ou que pratiquem hábitos saudáveis, como academia, aulas de dança ou de artes, ao invés de voltados para o uso de álcool e drogas.
Portanto, o reconhecimento às conquistas de quem trava uma luta contra a adicção é fundamental nesse processo. Quanto mais as pessoas que tem a atenção da mídia expuserem não apenas as dores do caminho, mas também a alegria da recuperação, mais gente será impactada – e poderá ser ajudada também.
O próprio termo “dependência química” carrega o peso do estigma. Eu e muitos outros colegas já o abandonamos. “Eu não sou dependente” é uma frase recorrente dos pacientes em começo de tratamento, porque ela carrega uma conotação de julgamento moral, como se fosse um defeito de caráter.
Compartilhar publicamente a superação de uma adicção é expor a trajetória de um ciclo vitorioso. No Brasil de hoje, capaz de criar um “gabinete do ódio”, é muito saudável saber que também podemos criar o “gabinete do amor”, onde se exerce a empatia com os problemas e as conquistas alheias.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.