Goste ou não de esportes, a cada quatro anos paramos na frente da televisão para acompanhar a performance dos atletas brasileiros nos Jogos Olímpicos. As muitas vitórias em várias modalidades – vôlei, judô, natação, futebol feminino – sempre foram vistas como verdadeiros milagres da perseverança individual de cada atleta, já que o investimento oficial em modalidades esportivas no Brasil é pífio, ainda mais se comparado a outras grandes potências mundiais.
Vida de atleta profissional de alta performance não é fácil. Disciplina, resiliência e dedicação são exigências inegociáveis. Mas além do preparo físico – como se fosse pouco! – é preciso ter inteligência emocional. Um ambiente regido essencialmente pela competitividade pode ser bastante desgastante para o cérebro. Ao sistema límbico, a parte emocional da nossa estrutura cerebral, é cobrado lidar com a frustração: é fundamental estar treinado para entender que a derrota é uma possibilidade – embora ninguém queira perder, claro. Queira ou não, a autoestima dos atletas é testada, como se dependesse exclusivamente da performance de poucos minutos, a cada quatro anos. Administrar uma atuação que não tenha sido no mínimo brilhante é muito pesado, ainda mais depois do rigoroso funil da seleção para se participar de uma Olimpíada.
Essa condição atinge a todos: dos novatos aos mais experientes, dos azarões aos favoritos. E, quando ninguém esperava, pegou em cheio Simone Biles, a maior aposta americana na ginástica olímpica. Depois de uma avaliação médica, ela recebeu a recomendação de não competir: sua saúde mental estaria em risco. Biles, então, preferiu não tentar atender às gigantescas expectativas geradas em torno de si e se resguardar.
A americana dá uma lição a todos nós: até que ponto você está se impondo a coisas que são pesadas demais para administrar? Em que aspectos da sua vida – profissional, pessoal, amorosa, familiar – estão exigindo mais energia do que você é capaz de dar? Desistir, portanto, não é um ato de fraqueza. Ao contrário, é demonstração de força. Se há sofrimento na execução de tarefas, algo está errado.
E é aí que entra Ítalo Ferreira. Pouco antes de entrar no mar japonês pela primeira vez, o surfista confessou a uma repórter seu nervosismo, mas que “depois que entrou no mar resolveu se divertir”. Ítalo pode até não ter se dado conta, mas sua fala carrega uma mensagem comovente e empolgante. No fundo, é isso: divirta-se fazendo o que ama e o resultado acaba se tornando uma consequência natural do processo. No caso de Ítalo, a diversão se concretizou em uma medalha de ouro na primeira vez em que o surfe participou da Olimpíada. Foi justamente essa capacidade de se divertir apontada por Ítalo que Simone Biles parece ter perdido.
Os Jogos Olímpicos reforçam a ideia de que atletas são preparados para performances sobre-humanas. Porém, a postura de Simone Biles e Ítalo Ferreira nos lembram nossa dimensão absolutamente humana, entre fragilidades e virtudes. E mais: o quanto essa dualidade é absolutamente normal.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.