Aos 22 anos, a cantora Luisa Sonza é um dos maiores nomes da música pop no Brasil. Os números que comprovam sua popularidade são superlativos: mais de 20 milhões de seguidores no Instagram, 1 bilhão de reproduções de suas músicas no Spotify e 8 milhões de ouvintes por mês na mesma plataforma de streaming. A japonesa Naomi Osaka, 23 anos, também é uma gigante, mas em outra área: no tênis. Número 2 do mundo, sua performance era uma das mais esperadas em Roland Garros.
Mas nem tudo correu como esperado. Osaka abandonou a disputa do campeonato francês, um dos mais importantes do esporte, depois de revelar que vem sofrendo de longos períodos de depressão desde 2018 e que as entrevistas coletivas com os jornalistas disparam gatilhos de ansiedade. Já Luisa Sonza foi afastada das redes sociais por sua equipe de marketing ao sofrer ataques cruéis acusando-a pela morte do bebê prematuro de seu ex-marido, o comediante e influencer Whindersson Nunes.
Em um ano em que falamos tanto sobre a dificuldade de se manter são em face às violentas – porém necessárias – restrições da pandemia, Sonza e Osaka, ainda tão jovens, dão uma grande lição: o reconhecimento da necessidade de se recolher em nome da própria saúde mental. Com um simples gesto, desafiam a lógica mercantilista que rege o mundo em que vivemos, onde a produtividade é a regra e permitir-se parar é quase uma heresia. O que já era exaustivo ficou ainda mais acentuado pós-pandemia. A alta performance continua a ser cobrada, mesmo com as pessoas trabalhando em home office, muitas vezes em condições adversas.
Abrir mão de compromissos profissionais em nome do bem-estar físico e emocional tem se tornado, pouco a pouco, uma prática mais frequente entre os artistas. A cantora inglesa Adele anunciou uma suspensão temporária da carreira depois de ter filho, alegando tratamento de depressão pós-parto. Em 2017, o cantor Justin Bieber comunicou que precisava dar uma pausa na agenda de shows para “curar a mente, o coração e a alma”. O próprio Whindersson Nunes já havia cancelado a agenda de apresentações e se afastado dos palcos em 2019 para tratar da depressão. Os padres-cantores Fábio de Melo e Marcelo Rossi também se viram obrigados a se afastar de suas atividades em consequência da crise de pânico e depressão, respectivamente.
A honestidade de Osaka reacendeu o debate sobre um tabu, faltando pouco mais de um mês para as Olimpíadas de Tóquio: a saúde emocional dos atletas. “Sei como ela se sente e a apoio”, desabafou o número 1 do mundo, Novak Dijokovic. A jogadora Martina Navratilova, vencedora de 18 Grand Slams, foi além. “Como atletas, somos ensinados a cuidar do nosso corpo, mas talvez o aspecto mental e emocional seja negligenciado”, declarou.
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”, escreveu Fernando Pessoa no “Poema em linha reta”. Sonza e Osaka, verdadeiras “campeãs em tudo”, assumiram as “porradas” da vida, transmutaram episódios tristes em exemplo para seus milhões de fãs: o limite da resiliência é o respeito por si mesmo.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.