O que podem ter em comum o Príncipe Harry, Lady Gaga, um chef de cozinha e uma jovem lutadora de boxe anônimos? A cantora americana se mutila desde a adolescência (ela afirma tratar-se de uma luta constante para não ter recaídas), o herdeiro do trono inglês desabafa sobre a dificuldade em ser parte da realeza e como ter perdido a mãe ainda criança marcou sua personalidade de forma tão traumática. O chef de cozinha padece de depressão e a boxeadora enfrenta a rotina de quem tem transtorno obsessivo compulsivo. Personagens do primeiro episódio da série “O meu lado invisível” (Apple TV), eles nos mostram que depressão, ansiedade e traumas e transtornos de personalidade são democráticos: atingem qualquer um, independente de idade, cultura, raça, gênero e condição financeira.
Idealizada e produzida pela apresentadora americana Oprah Winfrey em parceria com Príncipe Harry, a série pretende diminuir o estigma que cerca as doenças mentais. Segundo ela, a pandemia potencializou a dificuldade em lidar com sentimentos e Oprah entendeu que era o momento certo para abordar o tema com o grande público. “Seja lá qual fosse o problema que as pessoas tinham antes da Covid-19, ele agora ficou maior”, conclui.
Segundo Oprah, “agora, mais do que nunca, há uma necessidade imediata de substituir a vergonha que cerca a saúde mental por sabedoria, compaixão e honestidade.” As histórias apresentadas na série ajudam a levantar o véu sobre o estado atual da saúde mental e espero, esperançosamente, desencadeie uma conversa global”, escreveu Oprah em seu Instagram Oprah.
De acordo com Harry, a maioria de nós carrega algum tipo de trauma não resolvido, perda ou luto. “No entanto, o ano passado mostrou que estamos todos juntos nisso, e minha esperança é que esta série mostre que há poder na vulnerabilidade, conexão na empatia e força na honestidade”, disse ele por ocasião do lançamento da série.
Um dos pontos mais interessantes do primeiro episódio é quando Oprah discorre sobre a dificuldade enfrentada pelas pessoas em conseguirem externar seus sentimentos. Rótulos como “maluco”, “louco” ou “exagerado” rondam os que estão sob impacto de algum transtorno. Por vergonha, medo ou incompreensão, muitas vezes, acabam retardando a busca por ajuda – o pior cenário possível. “Nunca é tarde demais para se curar”, afirma ela.
O Brasil já liderava alguns rankings de transtornos mentais, mesmo antes da Covid-19. Segundo dados da OMS de 2019, o país ocupa a primeira posição em prevalência de ansiedade, com mais de 18 milhões de pessoas sofrendo do problema, e o quinto lugar em número de casos de depressão. O que já era grave, tende a estar pior: tudo indica que a pandemia tenha aumentado esses números.
“O meu lado invisível” traz à luz o lado invisível de muitas pessoas. Mais que um exercício de compaixão, é um serviço de utilidade pública. Não percam. E se, de alguma forma você se identificar, procure ajuda de um especialista.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.