O relaxamento das medidas sanitárias e a consequente reabertura do comércio – apesar do triste recorde de mortos atingido nesta semana – é um convite para um dos programas mais prazerosos da vida, daqueles que passamos a valorizar ainda mais depois de tantas restrições a que fomos submetidos nos últimos meses: ler.
Em que pese o fato de o último ano ter sido extremamente atípico em decorrência da pandemia – ou justamente por causa disso? –, diversos títulos interessantíssimos chegaram às livrarias recentemente, das áreas de Psicologia/Psiquiatria, Medicina e Sociologia, sem falar nos de Literatura Brasileira e Estrangeira. Ainda não tive tempo de me dedicar a eles, mas fiquei tão instigada que compartilho com vocês neste espaço algumas descobertas. Boa leitura!
“O ar que me falta: História de uma curta infância e uma longa depressão”, de Luiz Schwarcz (Companhia das Letras)
Sócio da Companhia das Letras e um dos editores mais importantes do Brasil, Luiz Schwarcz tem uma história familiar marcada pelo nazismo. Seus pais conseguiram escapar do horror e se encontraram no Brasil, com as lembranças dolorosas do passado trágico a pesarem sobre a nova vida. Filho único, Schwarcz, ainda jovem, entendeu ser responsável por expurgar as culpas que seu pai carregava por não ter podido evitar o fim extremo do próprio pai — avô do autor —, e se via como o elo a manter estável o casamento de André e Mirta, união cheia de silêncio, dor e incompatibilidade. Assumir esse papel, porém, será a fonte de angústias que o acompanharão ao longo de toda a infância, adolescência e vida adulta. Luiz Schwarcz constrói um sensível e detalhado relato de como a depressão e os traumas, próprios e de terceiros, podem tirar o fôlego de qualquer um e permanecer latentes em existências por fora marcadas pela aparência do sucesso. Um sensível relato sobre família, culpa e depressão.
“A decodificadora: Jennifer Doudna, edição de genes e o futuro da espécie humana”, de Walter Isaacson (Editora Intrínseca)
Motivada pela paixão de entender o funcionamento da natureza e por transformar descobertas em invenções práticas, Jennifer Doudna – uma das vencedoras do Prêmio Nobel de Química em 2020 – ajudaria a realizar aquilo que James Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA, classificara como o próximo avanço científico mais importante da biologia. Observando o modo com que há bilhões de anos as bactérias combatem os vírus, ela e seus parceiros de pesquisa descobriram algo capaz de transformar a vida humana: uma ferramenta de manuseio simples capaz de editar a estrutura do DNA. O CRISPR, como foi batizada, abriu um novo mundo de milagres da medicina e levantou delicadas questões éticas. Se a última metade do século passado foi uma era digital, baseada no microchip, no computador e na internet, estamos agora no limiar de uma revolução da vida e da ciência. O uso do CRISPR e a corrida para o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 estão acelerando a transição para essa nova era de inovações biológicas. Devemos usar esses novos poderes para hackear a evolução e nos tornarmos menos suscetíveis a infecções virais? Para prevenir a depressão? Devemos permitir que o poder aquisitivo dê aos pais a chance de modificar características como a altura, a estrutura muscular ou o QI de seus filhos? Estas são algumas das palpitantes questões que o livro de Isaacson suscita.
“Dez lições para o mundo pós-pandemia”, de Fareed Zakaria (Editora Intrínseca)
Apresentador da CNN americana e jornalista especializado em políticas internacionais, Fareed Zakaria faz uma reflexão sobre a vida no início do século XXI. O autor defende que estamos vivendo uma versão acelerada do mundo que conhecíamos até então. Desde a queda do Muro de Berlim, o planeta sofreu três grandes abalos — o 11 de Setembro, o colapso financeiro de 2008 e agora a pandemia provocada pelo novo coronavírus — que, embora pareçam distintos em quase tudo, têm algo em comum no que ele define como “choques assimétricos”: começaram com consequências de menor magnitude, mas passaram a enviar ondas sísmicas pelo mundo inteiro. Nas dez lições do título, o autor convida o leitor a compreender melhor a natureza de um mundo pós-pandemia: as consequências políticas, sociais, tecnológicas e econômicas que em outras circunstâncias levariam anos para ocorrer, dos riscos naturais e biológicos ao crescimento da “vida digital”, passando pela nova ordem mundial dividida entre Estados Unidos e China.
“Uma biografia da depressão”, de Christian Dunker (Editora Paidós)
O psicanalista Christian Dunker parte do princípio que a Depressão tem uma história, e a compreensão dessa história nos ajuda a descobrir a melhor forma de entendê-la, tratá-la e controlá-la. Refazendo os passos genealógicos da Depressão a partir de seus parentes distantes nas famílias da tristeza e da melancolia, Dunker descreve como ela se tornou um personagem decisivo na Idade Moderna, notadamente com os grandes trágicos da virada do século XVI e XVII, como Shakespeare e Molière, como ela emergiu como personagem secundário na psicopatologia do século XIX e na psicanálise do século XX, ganhando um inesperado reconhecimento a partir da segunda metade do século passado.
“Respire – A nova ciência de uma arte perdida”, de James Nestor (Editora Intrínseca)
Não há nada mais essencial para a existência do ser humano que a respiração. Apesar disso, nossa espécie parece ter desaprendido a respirar corretamente, e os maus hábitos nos trouxeram graves problemas. Ao visitar escavações de antigas catacumbas, instalações soviéticas secretas, corais em Nova Jersey e ruas poluídas de São Paulo, o jornalista James Nestor procurou descobrir o que deu errado e o que é possível fazer para corrigir isso. O autor entrevistou homens e mulheres que estudam a ciência esquecida de antigas práticas de respiração e testou crenças há muito enraizadas sobre como respiramos. Valendo-se de textos médicos milenares e dos estudos científicos mais recentes nas áreas de pneumologia, psicologia, bioquímica e fisiologia humana, James Nestor pretende fazer o leitor reavaliar tudo que acreditava saber sobre nossa função biológica mais básica.
“Mindfullness para o dia a dia: 53 práticas para acalmar a mente e viver o agora”, de Jan Chozen Bays (Editora Alaúde)
Estar efetivamente consciente do mundo ao redor – sem deixar que ele o atropele – é o primeiro passo para retomar o controle da vida e reduzir o estresse do dia a dia. Mas como “domar” a mente? A partir de sua experiência como professora e orientadora em mosteiros zen, a doutora Jan Chozen Bays montou um programa de treinamento semanal, com lembretes e explicações detalhadas sobre os efeitos benéficos da atenção plena para o corpo e a mente. O livro foca em 53 práticas para, devagar e sempre, como todo novo hábito, ajudar o leitor a estabelecer a atenção plena em meio à vida moderna.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.