Neste começo de outubro de 2021, num piscar de olhos, voltamos a 2009. Criado há apenas 12 anos o WhatsApp trouxe tamanha facilidade de comunicação que é como se nunca tivéssemos existido sem o aplicativo. Porém, às 12h30 da manhã desta segunda-feira, as redes caíram. Mais de seis horas depois da pane global, o Facebook não soube explicar o que causou a ausência. O mercado financeiro reagiu: as ações do Facebook caíram 5% apenas na tarde de ontem, um prejuízo da casa dos bilhões de dólares.
Quem usa o WhatsApp como ferramenta de trabalho – e é inegável que ela atenda perfeitamente a esta finalidade, não apenas para comunicação ágil, mas também para o comércio, ainda mais desde o início da pandemia – teve que se virar com o escanteado e-mail, os velhos SMS e recorrer à boa e velha ligação telefônica – segundo os especialistas, o fluxo de telefonemas dobrou ontem.
A grita foi generalizada. Pelo Twitter, única rede que se manteve de pé, milhares de pessoas confessaram – meio à sério, meio de brincadeira – não saber como preencher as horas sem poder postar uma foto no Instagram, curtir um comentário no Facebook ou receber um áudio pelo WhatsApp.
Essa postura dos usuários face ao apagão das redes deu indícios suficientes para acender um sinal amarelo a respeito da forma com que utilizamos estes canais de comunicação. Para gerações que se comunicaram por carta (que levavam semanas para chegar ao destinatário!), telegrama e fax, trata-se de uma intensidade e tanto – e, mais grave, em pouco tempo de existência do recurso.
A agilidade das redes nos pressiona a dar respostas imediatas, portanto a queda do WhatsApp nos aliviou, por algumas horas, dessa pressão e fez refletir: se sobrevivemos à sua falta sem maiores consequências, o quanto elas nos são verdadeiramente essenciais? Afinal, o quanto as redes são a origem e reflexo da solidão e vazio de seus usuários? Milhares de amigos e likes não suprem aquilo que realmente importa: a qualidade dos afetos e o aprendizado substancial.
Nos últimos anos, as formas como vivemos, nos relacionamos e trabalhamos se calcaram no funcionamento de redes e estruturas interconectadas por empresas de comunicação – todas privadas e com seus próprios interesses comerciais, vale a pena ressaltar. E é justamente para atender a este interesse econômico que somos estimulados a ficar cada vez mais tempo conectados – com o objetivo de coletar nossos dados e repassá-los aos anunciantes.
Para manterem os usuários logados o máximo de tempo possível, as empresas de tecnologia foram capazes de criar uma indústria fundada no estímulo constante ao desejo, com lógica e ferramentas para manipular e viciar. As horas de pausa ontem apenas comprovaram isso.
Mas será que o apagão foi de todo ruim? A tarde desta segunda-feira sem WhatsApp – e sem previsão de retorno do serviço – significou mais produtividade, foco e menos distração. As ONGs que monitoram as redes destacaram também a queda do nível de circulação de fake news.
No que tange a saúde mental, cada um teve a oportunidade de avaliar a relação que mantém com cada uma dessas ferramentas, já que está provado que as redes sociais aumentam a ansiedade, a depressão e os casos de anorexia e de suicídio entre usuários, conforme comprovam dezenas de estudos e pesquisas.
Das ironias da vida: a maior ansiedade, ao menos por ontem, certamente ficou com Mark Zuckerberg, o responsável por nos dar o céu e o inferno dessas redes.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.