A história chocante de Moïse, o congolês linchado na semana passada na Barra da Tijuca, remete à dramática saga de nossos antepassados africanos, trazidos para o Brasil escravizados.
Mas Moïse não veio escravizado. Pelo contrário, veio em busca de uma vida melhor, talvez acreditando no mito de um povo brasileiro cordial e acolhedor, num país de mestiços e, portanto, não racista. Não sabia que essa é uma versão fantasiosa de nosso passado.
Na realidade, nossa História é triste, violenta e perversa, e precisa ser discutida na escola com os alunos. A escravidão deixou um legado infame e pesado que até hoje permeia nossa sociedade e corrói nossos valores. Essa é a realidade lamentável que deve ser discutida nas escolas para que as novas gerações aprendam a reconhecer desvios graves e construam um país íntegro e responsável.
A morte de Moïse, amarrado e morto a pauladas por pelo menos quatro pessoas, à luz do dia, numa calçada à beira-mar, revela que não somos amáveis, gentis e acolhedores, como desejaríamos ser reconhecidos. Há algo de errado entre nós. Os valores civilizados nos escapam com facilidade, nossos sentimentos andam embrutecidos. Moïse é um representante do sofrimento de toda a população pobre e negra, que vive à margem de uma elite que hoje se esconde atrás de muros, grades e seguranças pagos para que seu olhar não seja incomodado pela calamidade da miséria.
O estudo das teorias decoloniais mostra as origens do racialismo, dos nossos preconceitos e de nossas ações imorais. Aqui, mais uma vez, a escola tem um papel importante como palco de discussão sobre a colonização, que não terminou com a onda de revoluções anticoloniais no século XX. A abrangência do colonialismo torna essencial que se promova a descolonização política, cultural e intelectual. A mentalidade colonial sobrevive ao período de governo formal deixando uma herança infiltrada em todos os aspectos do nosso mundo, moldando tudo, hierarquias raciais, normas de gênero, estruturas familiares, o uso da terra e até o arranjo do espaço geográfico.
As novas gerações têm o direito e o dever de discutir essas questões que continuam atuais e graves, que são constantes porque nunca resolvidas, raramente postas à luz. No século 21, a escola precisa abandonar a burocracia dos programas determinados e ter a coragem de se transformar no espaço de discussão de problemas contemporâneos. É assim que as novas gerações vão aprender a olhar criticamente para sua realidade, sem compactuar com preconceitos e com a coragem de enxergar a miséria a ponto de agir para resolver a inaceitável desigualdade social e econômica.