Tempestades torrenciais, calor abrasador, furacões intensos, secas prolongadas, a pandemia de Covid-19, todos são exemplos concretos do que enfrentaremos nos próximos anos, é o que dizem os especialistas em aquecimento global e clima, nos alertando sobre as consequências da relação predadora que mantemos com o ambiente em que vivemos. A previsão para as décadas de 2040 e seguintes é de extinção em massa de formas de vida e implosão dos ecossistemas, o que resulta em escassez de alimento, água, ar e energia, num cenário de pânico, convulsões sociais, migrações e fascismos.
Para reverter o dano ao planeta que nós mesmos impusemos, Umair Haque, autor de um artigo na revista digital Quartz, propõe ações desafiadoras e interessantes. Segundo ele, temos três ‘mundos’ a consertar. O primeiro mundo é o moral. Nossa comunidade moral está restrito às nossas próprias tribos e nações, e precisa se expandir para abrigar toda a vida: os peixes que limpam os rios, os insetos que revolvem o solo, as árvores que expiram oxigênio para o ar, os rios que fornecem água potável, a água que se evapora e se torna chuva e rio novamente. É urgente incluir a vida biótica – peixes, insetos, árvores; a matéria biótica – solo, rios, oceanos, ar e a matéria abiótica – montanhas e nuvens – nas nossas preocupações morais. Este é o entorno que nos nutre e nos sustenta.
Para a ampliação de nossos limites morais precisamos reinventar o segundo mundo: o mundo econômico. Numa economia equilibrada, quando se corta uma árvore, se planta uma árvore; quando se colhe um campo, semeia-se um outro. Se a taxa de consumo é 50%, a taxa de investimento é 50%. Se consumimos três vezes mais do que investimos, não é difícil entender que a civilização não se sustente. É preciso reinventar os conceitos e práticas da economia. Lucro e PIB se tornam anacronismos quando fundados sobre a destruição do que é fundamental, de empregos a relacionamentos, de confiança a felicidade. O importante é a economia da vida das pessoas e da democracia. O sucesso ou o fracasso das empresas se mede, também, em termos do bem-estar de pessoas e da saúde do planeta.
Nada disso é novidade. Mas o clima, os recursos hídricos, oceanos, florestas, solos e biodiversidade continuam ameaçados. Será necessário um grande esforço para transformar a mentalidade formada na era industrial para o reconhecimento de que as árvores, os animais, as ecologias e vidas humanas são a verdadeira riqueza das nações.
Mudar a economia que criamos requer reinventar um terceiro mundo: o mundo político e jurídico. Temos 30 anos para proteger recifes, rios, insetos, bandos e manadas, peixes, oceanos, florestas. Todos precisam ser protegidos e ter seus direitos garantidos. É um dos maiores desafios políticos da história da humanidade. A vida e a matéria biótica precisam se tornar intocáveis e, para isto, têm que estar no centro da discussão política, o que significa uma série longa de desafios legais e judiciais mundo afora, num projeto que exige emendas às constituições, mudanças nas leis, nas regras. Uma multidão de advogados, ativistas e políticos precisarão se empenhar profundamente para mudar o mundo jurídico e político. Na verdade, é uma ampliação do conceito de democracia, para que inclua tudo o que está na realidade. O conceito deverá ir além de entes humanos e incluir toda a vida e a matéria do mundo real. A democracia é um processo que garante toda a vida e matéria biótica, e inclui o futuro, as gerações não nascidas. E, como afirma Umair Haque , não é ficção científica. É a necessidade urgente de achar uma saída.
Seremos capazes de assumir a grande transformação necessária para evitar o colapso do sistema em que vivemos? Acreditamos que sim. Embora chocantes, sabemos que as previsões dos cientistas são próximas dos fatos, mas também acreditamos que a educação é fundamental no desenvolvimento das civilizações. As escolas são instituições que podem e devem germinar novas ideias.
Não temos um modelo de escola anterior para nos guiar no enfrentamento desta crise. Mas temos a capacidade de resolver problemas, de criar e de inovar para conceber e fazer funcionar uma escola que lide com os mundos moral, econômico e político. Uma escola onde os alunos aprendem a olhar para além de seus limites nacionais, sociais, étnicos, religiosos etc, para cuidar de todos – pessoas e ambientes. Uma escola onde o conhecimento serve de base para a compreensão do que é uma relação equilibrada com o ambiente e onde os alunos cooperam na solução de problemas que dizem respeito a eles e à vida da humanidade.
Aqui me lembro do cientista da computação Silvio Meira a quem perguntei, há mais de 10 anos, como fazer para encaminhar a escola para a vida no futuro digital e ele me respondeu: “Pergunte aos seus alunos, eles terão muitas ideias, saberão como ajudar a encontrar novos caminhos.” Sábio conselho. Os alunos podem e devem estar conosco. Está na hora de começarmos a agir. Hoje.