Em tempos digitais, mutantes e pandêmicos, não há dúvidas sobre a necessidade da refletir sobre a ideia (ainda aceita) de que saber é ter muita informação memorizada. Fazer a meninada decorar o sistema digestivo, os faraós do Egito ou todas as preposições da língua serviu para outro tempo. Um tempo que passou.
No século 21, não é mais necessário decorar conteúdos porque eles estão nos sites de busca. Num mundo transformado pela tecnologia digital (e pela pandemia), o que importa é trabalhar o próprio ato de aprender, de perceber os fatos da realidade como problemas a serem compreendidos e discutidos, para serem interpretados e resolvidos.
Resolver problemas requer escutar outras pessoas, saber fazer perguntas, trocar ideias e não recuar diante das dificuldades que surgem. Aprender a procurar informação nos sites de busca é mais eficaz do que saber de cor os afluentes do rio Amazonas ou coisas desse tipo. Repetir, copiar, memorizar não prepara os alunos para a realidade do século 21.
As novas gerações precisam desenvolver a capacidade de pensar, de refletir, de questionar, de observar, de discutir e conseguir achar as informações necessárias para agir e descobrir soluções. Qualquer conteúdo é adequado para o exercício da capacidade de pensar sobre os assuntos. Aprender a pensar é que é fundamental e não o conteúdo em si.
Nenhuma habilidade é mais envolvente do que olhar de modo crítico para os fenômenos em que estamos imersos. Não é fácil, exige tempo, prática e coragem rejeitar as primeiras impressões de uma ocorrência, mesmo que sejam chanceladas por uma figura de autoridade. O fato de alguém – seja quem for – afirmar alguma coisa, não significa que ela seja verdadeira. O pensador crítico não se satisfaz com a primeira opinião que lê ou que escuta; busca entender as circunstâncias completas, verifica evidências e suposições, procura explicações possíveis e examina até os próprios pensamentos para libertar-se de ideias preconcebidas.
Somos parte da realidade numa inextricável inter-relação com ela. Interpretamos e interferimos na realidade assim como ela age sobre nós e nos modifica. O pensamento crítico amplia a capacidade da mente de considerar novos acontecimentos, novos parâmetros, mesmo quando vão contra o pensamento usual. Crenças não são absolutas e o pensamento ampliado pode modificar muitas certezas.
O pensador Richard Paul, fundador do Centro para o Pensamento Crítico (www.criticalthinking.org), afirma que as pessoas discutem de três modos: um modo simples que é o de atacar para intimidar quem pensa de modo diferente; um modo sofisticado que usa argumentos razoáveis, mas apenas para defender aquilo em que já acredita. O terceiro modo é o pensamento crítico, que reflete para argumentar e que consegue ouvir os outros, habilidade fundamental para poder pensar bem.
A concentração é necessária para a reflexão e para ir além das primeiras percepções e sensações. É útil aprender ideias de outras pessoas, mas memorizar um conjunto de informações não é aprender a pensar criticamente. Conseguir desenvolver ideias pessoais, pensar por si próprio, exige foco, tempo e discussão, o que hoje se torna cada vez mais difícil com o apelo atraente das mídias digitais.
No exame de algum episódio, a primeira ideia que vem à mente nem sempre é a melhor porque tendemos a reproduzir opiniões de outros que ouvimos ou lemos. Mas ao analisar mais sistematicamente a questão, deixando o pensamento fluir, o cérebro faz associações, relações e conexões que levam a alguma ideia pertinente. E, mesmo assim, a ideia pode não ser boa. As ideias precisam ser objeto de exame, exploração, escrutínio para serem satisfatórias. Quando se desenvolve um raciocínio incorreto, é preciso recomeçar. No empenho e persistência, a qualidade da reflexão se refina. A melhor maneira de desenvolver a capacidade de pensar é pensando. E pensar de modo crítico é para toda a vida.
Atravessamos tempos incertos, com muitas incógnitas sobre como será nossa rotina nos próximos anos. Estamos todos num esforço de construir uma maneira de preparar nossos alunos para as necessidades da sociedade no século 21. E, com certeza, uma habilidade a desenvolver é resolver problemas da vida real, o que requer pensar junto com os pares de modo ágil e inovador, com troca e debates para validar o próprio conhecimento. Aprender é um ato coletivo.
No atual momento de transição, é hora de prepararmos pessoas dinâmicas, pragmáticas, competentes, participantes do grupo a que pertencem e preocupadas em zelar pelo futuro de todos.