Os europeus brancos criaram uma classificação para os seres humanos, que atribui valor e status social a partir das pessoas ‘brancas’, que funcionam como modelo da humanidade, o que mantem privilégios e poder.
Volto ao assunto do racismo com os justos protestos pela morte do menino João Pedro, de 14 anos, que representa outros muitos mortos a bala pela polícia, e os levantes nas cidades americanas pela morte de um homem negro asfixiado por um policial, a céu aberto, sendo filmado. Somou-se a isso o tanto que conversei com muita gente, esta semana, para compreender um pouco mais o que o racismo significa de pernicioso e destrutivo e o quanto nós, brancos, mesmo os que se consideram sem preconceitos, não percebemos.
Uma moça jovem branca, muito querida, que uma circunstância da vida faz passar por esta questão angustiante cotidianamente, me contou sua experiência. Abriu minha percepção sobre o tema e apontou muitos caminhos para a reflexão.
Um ponto de partida foi o alerta que ela me deu para a maneira de nós, brancos, falarmos sobre racismo. Racismo para nós remete a negros ou índios. Nunca pensamos em racializar os brancos. A palavra raça é aplicada apenas a pessoas não brancas. Sem ser vistos racialmente, os brancos funcionam como a norma humana.
A racialização é um processo complexo e contraditório em que os grupos passam a ser designados como pertencentes a uma “raça” específica para justificar um tratamento desigual.
A ideia de “raça” afeta todos, embora de modos diferentes. O termo enfatiza os processos ideológicos e sistêmicos, muitas vezes inconscientes, e mostra como as categorias raciais são socialmente construídas, incluindo a brancura.
O controle sistêmico e institucional permite que os brancos vivam em um ambiente social que os protege e os isola da tensão racial. Centrados nos assuntos considerados normais, universais, neutros, percorrem um mundo racializado com uma identidade não racializada, onde pessoas brancas podem representar toda a humanidade e negros só podem representar seu ser racial. Esse racismo estrutural está em todos nós, negros e brancos.
Ser branco tem consequências, as consequências de privilégio. Muitos brancos individualmente se dizem contra o racismo, mas continuam se beneficiando da distribuição de recursos controlados por seu grupo. Uma pessoa negra pode até sentar-se nas mesas de poder, mas a decisão é do branco.
Os brancos podem ter problemas e enfrentar dificuldades, mas para eles sempre será muito diferente das barreiras do racismo sistemático. Existe um sistema de poder racial institucionalizado e desigual.
A questão tem uma magnitude de que a sociedade branca não se dá conta. Penetra a estrutura da pessoa, a própria força vital. As crianças crescem capturadas nessa estrutura, o que influencia a própria estrutura psíquica delas. Quem se desenvolve massacrado pelo racismo não é igual a um branco de classe média. Na história dos negros existe um jugo velado que marca seu desenvolvimento e sua diferença. Quem nasce negro sabe o que é isso.
Devemos nos educar e nos perguntar quantos amigos negros temos no nosso círculo social, escolher a barraca do camelô negro, ir ao vendedor negro que atende na loja, procurar filmes e livros de diretores negros, de autores negros. Pode soar ingênuo, mas temos que conhecer a produção dos negros, que não chegamos a apreciar por conta do racismo.
Nossa cultura branca, nossos valores, desejos, padrões estéticos e de comportamento, enfim, nossa visão de mundo é estruturada a partir de uma cultura branca europeia. Mas existem as outras culturas, diferentes, fundadas em outras mitologias, como indígenas, africanas, orientais. Os preconceitos e os estereótipos tem que ser abolidos. O euro-centrismo nos impede de valorizar a cultura das periferias, por exemplo, que na nossa formação eurocêntrica nos parece menos refinada.
As diferenças e trocas entre culturas enriquecem os seres humanos. Bem-vindas as diferenças, desde que todos tenham os mesmos direitos, sejam valorizados e iguais perante a lei.