A solidariedade suburbana em evidência nas telas, muros e mesas da cidade
Junto com a reconstrução da Belle Époque, não podemos esquecer de comemorar os 15 anos do Subúrbio em Transe e o lançamento da plataforma Subúrbios
Um semana após a grande comoção gerada pelo trágico incêndio que atingiu a livraria Belle Époque, no Méier, vemos novamente uma forte corrente de solidariedade se formar a partir dos subúrbios.
Certamente muitos se lembraram do incêndio que atingiu o Museu Nacional/UFRJ, em 2018. Contudo, percebemos que um sentimento tem se tornado mais forte que a tristeza da perda – a esperança da reconstrução.
A ajuda coletiva se fez presente desde o primeiro momento, logo que o Ivan Costa – mais conhecido pelos amigos da cultura como o Livreiro Errante – anunciou aos prantos o terrível incidente.
O impacto foi devastador, tanto para os que frequentavam as festas literárias, os lançamentos, saraus e debates, quanto para os amantes das artes e literatura que se identificam com a utopia da transformação através da ampliação do acesso à educação e cultura.
Ainda é difícil assimilar tudo. Dói mais ao constatarmos que ocorreu na mesma semana em que rememorávamos o grande Ecio Salles, criador da Festa Literária das Periferias, que nos deixou em 22 de julho de 2019, ao mesmo tempo que também lamentávamos o fechamento de cerca de 800 bibliotecas públicas em todo o Brasil nos últimos cinco anos.
O incêndio serviu para revelar muitas coisas. Tanto para escancarar as contradições de uma cidade que ainda cerceia a cultura nos espaços populares – vale destacar que a Belle Époque Discos e Livros era uma das únicas livrarias de rua, estilo sebo, remanescentes em quase toda a Zona Norte – como para evidenciar a força e a solidariedade de todas as pessoas que têm se juntado em prol da reconstrução desse sonho do Ivan, que agora é também coletivo.
Aproveitamos para reiterar que ainda precisamos muito da ajuda de todos para reerguer o espaço: a vaquinha virtual, o Pix e a doação de materiais são extremamente importantes. Para doação de livros, discos ou outros materiais basta conferir a lista de pontos de arrecadação em @livrariabelleepoque. Já para quem preferir ajudar financeiramente seguem o Pix:21976257600 e o link da Vakinha: https://www.vakinha.com.br/2995777
Não restam duvidas de que os subúrbios têm muito a contribuir e ensinar sobre resiliência, sobre a necessidade de seguir em frente junto à coragem para produzir nossa própria cultura. Como exemplo, temos nessa semanas as comemorações dos 15 anos do Cineclube Subúrbio em Transe e do lançamento da Plataforma Subúrbios.
Lembro com satisfação da primeira vez que assisti ao documentário “Alma Suburbana”, em 2007, da mesma forma que guardo com grande emoção a minha participação no evento de 10 anos de lançamento do filme, que foi realizado no Diálogos com o Cinema, em uma exibição especial no Ponto Cine.
O mais interessante na época foi constatar que o projeto nasceu. O filme “Alma Suburbana” foi produzido e dirigido de forma coletiva por alunos de escola pública, da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. A intenção era justamente retratar a identidade suburbana através de seus moradores. A ideia de fazer o filme não surgiu por acaso. A identidade suburbana se impôs entre a equipe e fez com que este desejo de se mostrar aparecesse também no filme e na edição. Logo, a equipe não só aparece, mas também é personagem do filme, interagindo com os demais entrevistados.
Desde o ano do surgimento da oficina de vídeo do Núcleo de Arte Grécia, em 2003, vários curtas dos alunos mostravam o lugar onde moram e se relacionam, assim como as críticas, os problemas, as reivindicações. Curtas como Muduriás, Um lugar chamado Quitungo, Overdose, 345 – A Viagem do terror, entre outros, já traziam várias questões ligadas à identidade suburbana. Mas foi através do curta Arrastão literário que ficou claro que os alunos e parte da população suburbana queriam se expressar e mostrar sua opinião sobre a vida na cidade, além de também reivindicar seus direitos.
O curta Arrastão literário, realizado em junho de 2007, conta a saga de Evando dos Santos, um pedreiro que montou uma biblioteca em sua casa e conseguiu que o arquiteto Oscar Niemeyer fizesse um projeto para construir uma biblioteca no bairro da Vila da Penha. O plano idealizado por Evando dos Santos era justamente de fazer um arrastão literário, ou seja, com um grupo de alunos e simpatizantes do projeto ele iria distribuindo livros para os moradores.
Em seguida, a jovem jornalista Joana D’arc entrou em contato para saber do filme. Foi então que ela propôs realizarmos um documentário sobre a cultura no subúrbio carioca. A equipe também era formada pelos alunos Hugo Labanca e Leonardo Oliveira, que se destacaram e dividiram as funções de direção, edição e fotografia. A jornalista Joana D’arc foi produtora, diretora e entrevistadora, juntamente com alguns alunos. Luiz Claudio Motta Lima, como professor, foi responsável pela orientação dos estudantes e organização. Também dividi as funções de direção, produção, fotografia e edição. O título Alma Suburbana foi dado pelo poeta do samba Luiz Carlos da Vila, em uma belíssima entrevista.
No dia 7 de julho de 2007, Luiz Claudio e seus alunos do Núcleo de Arte Grécia fundaram o cineclube Subúrbio em transe, no CASARTI, a Casa do Artista Independente.
Passados 15 anos da primeira exibição, na Casa do Artista Independente, o filme Alma Suburbana continua se comunicando com os espectadores que buscam nos questionamentos do documentário uma forma de entender como os bairros suburbanos continuam sendo estigmatizados como bairros meramente violentos e cheio de problemas.
Nesta ultima quinta (28), houve uma sessão comemorativa na Lona Cultural João Bosco, em Vista Alegre. Para quem ainda não assistiu ao filme, segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=uM0cXAEPKSQ e para acompanhar as redes do Subúrbio em Transe https://pt-br.facebook.com/suburbioemtranse
Outra importante atividade suburbana tem seu lançamento programado para o dia 30 de julho, no Parque Madureira.
Mapear, fortalecer, potencializar e unir os subúrbios cariocas. Com esses objetivos, surgiu a ideia de criar a plataforma Subúrbios, que será lançada no próximo sábado na Arena Carioca Fernando Torres. Com atividades das 11h às 14h30.
Idealizado pelo produtor cultural Victor Hugo Rodrigues, pelo historiador Rafael Mattoso e pela jornalista Ana Cláudia Souza, o projeto contou com o incentivo do Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, assim como, da Prefeitura através da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.
“A ideia de fazer a plataforma surgiu a partir de muita conversa. Fomos nos conectando com muita gente dos subúrbios cariocas, conhecendo várias iniciativas e participando de outras tantas. Então, nos demos conta do potencial e do poder que havia naquela região tão importante da cidade. Foi aí que pensamos que, se todas aquelas potências se conhecessem e interagissem, elas fortaleceriam todos os “subúrbios”, conta a jornalista Ana Claudia Souza, coordenadora de comunicação do projeto. E assim nasceu a plataforma Subúrbios, dedicada ao mapeamento e divulgação das potências das zonas Norte e Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
Logo em seu primeiro ano de atividades (2020), o projeto mapeou mais de 350 mobilizações sociais – nos campos da cultura, meio ambiente, educação, gastronomia, arte –, mais de 200 patrimônios culturais – materiais e imateriais, e muitas histórias afetivas sobre a região. Histórias guiadas por receitas culinárias tradicionais que ajudam a identificar a diversidade desse espaço tão importante da cidade.
Com a plataforma, todo o banco de dados do projeto ficará acessível à população e aos turistas que visitam o Rio. A proposta é apresentar as maravilhas que os subúrbios cariocas têm, mas que são pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas pela maioria das pessoas. “Queremos unir pessoas com interesses em comum pelas zonas Norte e Oeste”, explica Victor Hugo Rodrigues, produtor executivo do projeto. Da plataforma, destaca-se a seção “No ponto!”, em que donos de restaurantes, barracas de comida de rua e mesmo gente do dia a dia compartilham suas memórias suburbanas guiados pelas receitas culinárias tradicionais da região. Entre os registros, há o do Carlos Brandão, dono do restaurante “Capitania dos Copos”, na Praia de Tubiacanga, na Ilha do Governador. O lugar é como uma casa de pescador, com comida da melhor qualidade e um deck dentro da Baía de Guanabara. E, além da comida maravilhosa, o pôr do sol é espetacular. Já na seção “Guia dos Subúrbios Cariocas”, os visitantes terão acesso a textos e fotografias de roteiros guiados pelos principais bairros da região, com verbetes produzidos pelo coletivo Engenho de Histórias sobre patrimônios culturais materiais e imateriais da região, além de informações preciosas sobre personagens dos mais diversos campos que ajudam a contar memórias e expressam as potências que os subúrbios têm.
São muitas preciosidades! Explore a plataforma: https://www.suburbios.com.br e curta as delícias dos SUBÚRBIOS!