Rafael Mattoso

Por Rafael Mattoso, historiador Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Dos subúrbios eu vejo o Rio comemorar seus 456 anos

Carta ao amigo Nelson da Nóbrega Fernandes, lembrando o aniversário da cidade

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 mar 2021, 01h15 - Publicado em 2 mar 2021, 13h03
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  • Neste 1º de março, logo que levantei da cama lutando para afastar a preguiça, me dei conta que precisava escrever algo sobre o aniversário da nossa cidade. O sol já anunciava mais um dia quente de verão, mesmo faltando apenas 20 dias para o fim dessa estação tão intimamente incorporada ao sangue e suor do carioca. Liguei o ventilador e sentei na frente do computador disposto a falar dos primeiros povos que viveram em volta da baía de Kûánãpará.

    Começar pela atuação dos índios Tamoios e Temiminós parecia ser fundamental, assim traríamos um maior  entendimento de como as tropas portuguesas, comandadas por Mem de Sá, conseguiram  vencer os franceses. Porém, antes de começar a jogar as ideias no papel, me veio outra possível abordagem, seria igualmente relevante apontar a importância dos patrimônios, das belezas naturais, culturais e arquitetônicas da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

    Como dar conta de tudo isso e ainda falar dos seus moradores, principalmente, da maioria que ocupa os subúrbios, as favelas e baixadas?

    Foto de uma criança negra rindo
    (Fábio Caffé/Arquivo pessoal)

    O tempo já consumia parte da tarde quando recebi uma mensagem do grande geógrafo Márcio Piñon de Oliveira. Falamos como sempre sobre as nossas paixões incomuns e por uma coincidência dessa que só o destino pode, mas nem precisa explicar, comentei que estava desde cedo tentando escrever um texto que tivesse a força necessária para falar sobre o aniversário da cidade a partir do olhar de um suburbano apaixonado. Após uma pequena pausa ele me confidenciou ter um texto muito pessoal que escreveu para seu amigo e companheiro de profissão, Nelson da Nóbrega Fernandes, que faleceu meses antes do aniversário de 450 anos do Rio.

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    Fiquei muito emocionado, tanto pelo teor do texto como por toda a admiração e gratidão que guardo pelo grande mestre Nelson da Nóbrega Fernandes. Ser humano generoso que não hesitou em ajudar diretamente minhas pesquisas, e que é um nome fundamental para qualquer pessoa que pretenda estudar os subúrbios. Me senti honrado por ter a chance de tornar pública essa carta repleta de sentimentos, tomada de amizade e paixão pela pluralidade que a cidade, sua gente e lugares pode oferecer.

    A partir deste ponto eu não escrevi nem mais uma linha, na verdade abandonei todas as ideias que já tinha esboçado, apenas para contemplar as palavras escritas há seis anos, recebida agora e devolvida como presente para todos nesta celebração.

    Prof Nelson
    Nelson da Nóbrega Fernandes (Divulgação/Internet)
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    Carta ao amigo Nelson da Nóbrega Fernandes, lembrando dos 450 anos do Rio

    ´´Primeiro de março de 2015.

    Caro amigo Nelson,
    Como eu gostaria de receber um abraço seu no dia de hoje
    E ouvi-lo falar da cidade.
    450 anos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
    Hoje, nossa cidade amanheceu com todo o seu esplendor e mistério.
    Parecia que se sabia soberana de toda a sua glória.
    Apesar de tanto vê-la e ter sua imagem cunhada em minha retina,
    Nunca sei qual será o quadro a ser visto e onde estará o seu horizonte.
    As possibilidades de combinações entre os tons de cores do mar, da montanha, do céu…
    E as sutilezas da pintura, em sua paisagem, são sempre infinitas.
    Há sempre algo novo a nos dizer e a nos mostrar,
    Um mistério que insiste em ser belo e adorna a sua verdade em maravilhoso.
    Assim é, também, a sua gente, que adorna com seu sorriso, simpatia e cordialidade, a sua dor,
    Tensão de cada dia desse Rio 40 graus.
    Ah, que saudades do amigo eu tenho hoje,
    De poder conversar sobre a cidade, de falar sobre sua gente e seus eventos.
    Falar das suas histórias e poder de criação.
    Lembro-me de que você dizia…
    Que outra cidade no mundo criou quatro estilos musicais?
    Que outra cidade no mundo criou Escola de Samba?
    Que outra cidade no mundo faz baile charme embaixo de um viaduto?
    Em que outra cidade no mundo toma-se banho de mar à noite
    E joga-se futebol de areia de madrugada?
    Falar das suas histórias e de sua gente.
    Da ´alma encantadora` de suas ruas, como nos lembra João do Rio,
    E do burburinho de suas esquinas e botequins, sempre povoados de gente de todo tipo,
    Pronta a observar, a informar e a flertar com a vida e outras gentes.
    Da sua gente ´malandra` que finge não trabalhar e só gostar de praia e boemia.
    Falar das suas histórias e de suas geografias.
    Lugares comuns, turísticos e, também, silenciados, seus morros e suas favelas.
    Falar da Penha, onde nasci, de sua Festa e da joia de sua Igreja,
    Primeiro monumento a se vislumbrar, ao chegar e sair da cidade pelo Galeão.
    Falar de Marechal Hermes e da Vila Proletária Orsina da Fonseca na Gávea.
    Falar da Lagoa, em fim de tarde, emoldurada pelo Redentor e os Dois Irmãos.
    Falar do pôr do sol no Arpoador, como você gostava de ir lá!
    Do Alto da Boa Vista, da noite na Lapa e do Beco das Garrafas.
    Falar de Copacabana, do seu imenso mar, Ipanema e Leblon.
    Falar do Centro, do Paço, da Candelária, Cinelândia e Ouvidor.
    Falar do subúrbio, da beleza do seu casario, colorido e diverso,
    E da simplicidade e grandeza da gente do bairro de Osvaldo Cruz,
    Da feijoada da Portela e do Jongo da Serrinha.
    Falar de Campinho, Cascadura e Madureira, o único bairro no mundo com três lados.
    Falar do Méier e sua altiva elegância suburbana, expressa no antigo casario.
    Falar da grandeza de Campo Grande e de Sepetiba, a sua praia mais distante.
    Falar da Floresta da Tijuca, do Aterro do Flamengo e do Grajaú.
    Falar do Morro da Favela e todas as suas outras favelas,
    Da Maré, da Rocinha, do Juramento e do Alemão.
    Do Morro da Chacrinha, do Salgueiro e da Chácara do Céu.
    Da Mangueira, do Terreiro da Tia Ciata, da Gamboa e da Pedra do Sal.
    Falar do Leme e do Pontal, da Barra e do Recreio…
    Falar de Tom e Vinícius, de Pixinguinha, Zé Keti, Paulinho da Viola e Chico.
    De Cartola, Paulo da Portela, Nelson Cavaquinho e Heitor dos Prazeres.
    Falar da gente operária da Central e do Metrô-linha 2.
    Como você dizia, carioca que nada, isso é ´malandragem` de sua gente,
    Somos todos ´sebastianos` e filhos de um Sá!
    Um dia conversando, se é que você se lembra, observou:
    Se Narciso pudesse ter escolhido o seu lugar de nascimento,
    Teria, com certeza, escolhido o Rio de Janeiro, pois, mesmo no pior dos seus dias,
    Aqueles em que acordamos ranzinzas e mal humorados,
    Ao olhar a cidade, algo, de profunda beleza e alegria, tocaria a sua alma.
    E logo, tudo se transmutaria.
    Sem dúvida, admiramos e amamos muito esta cidade.
    Salve Nelson,
    Receba um abraço e o carinho de sempre.
    Direto da geografia encantadora e humanamente profunda do Rio de Janeiro.
    Do amigo Marcio´´

    Este texto foi feito em parceria com o professor Márcio Piñon de Oliveira e a jornalista Sandra Crespo.

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