VEJA RIO
Clique e AssineEu já estava com outro texto pronto para essa coluna quando chegou a notícia da morte do Aldir. Por coincidência, também falava dele, mas eu sequer poderia imaginar o que estava por acontecer. Lá se foi um dos nossos mais importantes compositores, e, principalmente, o nosso mestre-sala dos mares carnavalescos. Fundador do bloco tijucano Nem Muda, Nem Sai de Cima, com o amigo Moacyr Luz, era o patrono do Simpatia, bloco que tomou emprestado o nome de um dos seus personagens, Esmeraldo Simpatia É Quase Amor, do livro Rua dos Artistas e Seus Arredores. Quanta tristeza tudo isso, meu Deus!
Aldir Blanc vai fazer muita falta, na música, na vida e no carnaval. Aldir gostava de carnaval de rua, apesar de andar há algum tempo afastado das multidões. Entre os blocos que frequentava, tinha o Bafo da Onça, dos tempos da sua mocidade, lá pelas bandas do Estácio, e a Banda de Ipanema, criada pelos amigos de O Pasquim, em 1965, como Albino Pinheiro, Ziraldo e Jaguar. Mas era na bateria do Simpatia que ele se emocionava mais. Bloco fundado a partir da campanha das Diretas Já por um grupo de jovens que lutavam pela reabertura política, muitas vezes encontrou inspiração nas crônicas e nos sambas do Aldir.
Compartilhavam da mesma luta pela redemocratização do Brasil, o bloco com seus desfiles políticos e o Aldir com suas crônicas e canções. Como “O Bêbado e a Equilibrista”, uma das muitas em parcerias com o amigo João Bosco, música que virou o Hino da Anistia abrindo caminho para o retorno da democracia no país.
No depoimento de abertura no CD dos 15 anos do bloco, Aldir Blanc declara seu amor incondicional ao Simpatia: “O bloco da minha mocidade foi o Bafo da Onça, saudosa memória do bairro do Catumbi, Estácio e adjacências. Mas nem mesmo o Bafo da Onça, com suas rainhas e princesas, me deu emoção tão forte como o Simpatia é quase amor. Criei num livro o Simpatia [personagem] para proteger a identidade de um primo do subúrbio (…). É bonito ver um primo da Zona Norte virar um bloco na Zona Sul. Com esse gesto simpático, saiu ganhando São Sebastião do Rio de Janeiro (…)”, declarava ali o compositor.
“Gosto tanto do Simpatia que fiz uma primeira, pra um desses sambas que a gente canta sempre quando lembra do bloco, ou que o bloco cantará um dia, quem sabe, lembrando da gente. A segunda é de quem chegar”, dizia ele, presenteando o bloco com a primeira estrofe do que viria a ser o samba dos seus 30 anos, em 2014. O resto da letra contou com a participação de Marceu Vieira, João Pimentel e Orlando Magrinho, que ganharam a disputa daquele ano. A tal primeira estrofe criada pelo Aldir dizia assim:
“Quando eu saio na madrugada mais vadia, levo um bloco no coração por companhia. Em meu peito pulsa o amor e o coração sacode numa arritmia, mas a bateria sustenta a cadência tal a simpatia”.
Aldir também está nas minhas lembranças dos desfiles do Escravos da Mauá. A música “O mestre-sala dos mares” é um dos momentos mais fortes do bloco que desfila na região portuária, e que todos os anos faz uma homenagem a João Cândido, o líder da Revolta da Chibata. O bloco para em frente ao Sindicato dos Estivadores e canta em homenagem ao almirante negro, assim do jeito mesmo que o Aldir e João Bosco compuseram, antes da letra ter que mudar de almirante para navegante por imposição da ditadura militar. E a família de João Cândido, do alto do prédio, acena para nós.
Tudo está muito mais triste hoje. Nós, do carnaval de rua, estamos de luto. Nos despedimos do querido Aldir, e aqui falo em nome do Simpatia é quase amor, o bloco do meu coração, e de todos os blocos da Sebastiana. Que nosso Aldir seja recebido com festa no céu!
Para ouvir o depoimento de Aldir: https://www.facebook.com/bloco.simpataquaseamor/videos/710972756315896/
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.