O que será da arte quando tudo isso passar? Essa pergunta já foi feita por diversos pensadores, como Marcuse, em outros períodos de pandemias, pós-guerras e situações em que o ser humano esteve em contato tão intenso com a morte. Eu não tenho resposta. Mas nunca vi a arte – em toda a sua extensão – tão compartilhada e tão acessível às pessoas.
Esse momento difícil, apesar da tristeza e de agravar ainda mais as diferenças sociais, tem nos permitido um olhar mais amplo e profundo sobre a arte. Música talvez seja a linguagem mais acessada no momento. Nunca se compartilhou tanto, em playlists, mensagens e principalmente lives, a nova modalidade de “shows” que a cada dia se multiplica.
Tenho escutado de tudo e não me lembro de ter vivido uma imersão musical tão grande antes. Semana passada fui à roda do Bip Bip com seus sambas clássicos. Estive com Thiago Miranda, ao vivo, em Juiz de Fora. Comemorei pela internet o aniversário de Moacyr Luz. Vi os Rolling Stones tocando Paint It, Black e Start me up, em Nova York. E, ontem, me emocionei com o tenor Andrea Bocelli em um concerto de Páscoa na Catedral de Milão, ouvindo “Ave Maria”, de Bach.
Mas uma das mais incríveis experiências tem sido Ô de Casas (@_ô_de_casas), de Mônica Salmaso e convidados. Foram 22 encontros até agora, que começaram com Alfredo Del Penho, cantando A Cor da Esperança, de Cartola e Roberto Nascimento, música para lá de apropriada para esse momento. Depois vieram Pedro Miranda, Teresa Cristina, João Cavalcanti, Moacyr Luz, Joyce Moreno, Chico Cesar, Lulinha Alencar, Cristóvão Bastos, Luciana Rabello, entre outros. E teve João Camarero, que eu não conhecia. Como toca bonito, esse João!
O projeto de Mônica rende frutos. Com Camarero, a cantora juntou dois clássicos, Juízo Final, de Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, e O Sol Nascerá, de Elton Medeiros e Cartola. Talvez aí esteja uma resposta para a pergunta do começo: o que será da arte quando essa quarentena passar?
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Arthur Bispo do Rosário
Queria destacar também os museus, um capítulo à parte nesse momento em que a arte se torna esperança e cura. Poderia falar de vários, mas escolhi o Museu Bispo do Rosário, que fica fisicamente na Taquara, Zona Oeste do Rio, mas encontra-se fechado pelas medidas de combate à pandemia. Arthur Bispo do Rosário é um artista que ainda precisa ganhar a dimensão que merece no Brasil, mesmo já sendo consagrado internacionalmente.
O museu ainda não dispõe de visita virtual, mas o projeto Inventário do Mundo estava em curso antes de tudo parar. Envolve a catalogação, o inventário, a higienização da obra de Bispo, através da pesquisa, organização e ações de salvaguarda do acervo. Pretende também lançar a edição do Catálogo Raisonné, publicação referência para consulta e controle público de toda a sua obra, que conta com mais de 1500 peças.
Torço para que, diante de tantos problemas graves, ainda assim alguns olhares possam se voltar para o artista negro que afirmava ouvir vozes que lhe diziam ter chegado a hora de representar todas as coisas existentes na Terra para a apresentação no dia do juízo final.
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Sugiro, nessa quarentena, uma “visita” a ele e ao tema da luta antimanicomial. Bispo do Rosário é muito mais atual hoje do que se pode pensar, e com certeza tem muito a nos dizer em tempos de Covi-19, com suas linhas e tecidos feitos de uniforme de paciente e de cobertor.
Terminando esse texto, fui surpreendida com a notícia da morte de Moraes Moreira, hoje, e a de Tantinho da Mangueira, ontem. Só aumenta o nosso luto, pelos artistas e pelas vítimas do Coronavírus. Que a arte nos fortaleça e ajude a nos curar.
Para quem quiser desfrutar:
Museu Bispo do Rosário
https://museubispodorosario.com/
Ô de Casas – Mônica Salmaso
https://www.instagram.com/monicasalmasooficial/
Andrea Bocelli na Catedral de Milão
https://www.youtube.com/watch?v=huTUOek4LgU