Baixo Botafogo: bares e tribos do local que vem bombando na noite carioca
Uma passeio etílico-cultural pelas ruas mostra como o bairro boêmio vem se reinventado depois da pandemia.
É incrível o que vem acontecendo em Botafogo nos últimos tempos. O bairro, que já era conhecido pela boemia, tornou-se uma espécie de Soho carioca, um reduto de bares e restaurantes que vêm se multiplicando ali no quadrilátero das ruas Arnaldo Quintela e Álvaro Ramos, com suas transversais. Impressiona a quantidade de novas casas e a variedade de estilos e de público, reunido não apenas dentro dos bares como nas calçadas. Vale um tour pelo local, para desbravar as diferentes variedades que ali se encontram, do mais sofisticado restaurante ao tradicional boteco de rua. E uma delícia a pluralidade de pessoas, tão distintas a cada metro que se anda, em antigos sobrados e casas típicas do bairro.
Eu comecei o trajeto jantando no Sult, um restaurante montado numa espécie de garagem que ficou incrível. O forte ali é a comida italiana, no melhor estilo trattoria, com espaguete ao vôngole e incríveis cogumelos com queijo pecorino. Puro charme, tem uma cozinha aberta no fundo do salão, que pode ser vista de todo o restaurante. As opções de vinho são excelentes e o cardápio, pequeno, pode variar a cada semana. É importante fazer reserva e chegar cedo para conseguir lugar.
Dali fomos conhecer o Canastra Rose, que fica bem pertinho e tem outra proposta. Lugar bem bonito, decoração incrível, ideal para quem quer degustação, mas também agito e música. Estava lotado e não conseguimos nem entrar. De fora, uma fila de espera e pessoas optando por uma garrafa de vinho ali mesmo na calçada, ao som da música que rolava lá dentro. Fiquei curiosa e com vontade de voltar em outro dia, mais cedo, mas ainda tinha um trajeto a percorrer.
Movida pela curiosidade de toda aquela efervescência – numa região que foi a sede do lendário Barbas, na década de 1980 – continuei, em companhia de duas amigas, Marcela Esteves e Simone Garcia, o nosso passeio etílico-cultural. Na mesma Rua Fernandes Guimarães, um pouquinho mais à frente do Sult, encontramos um sobrado de três andares incrível, com o sugestivo nome de Macuna. O bar ocupa o mesmo imóvel onde o Colab funcionava. O nome, inspirado no famoso personagem de Mário de Andrade, Macunaíma, tem uma proposta que junta cerveja e diversidade musical. Ontem, quinta-feira, era dia de jazz, e naquele pequeno cômodo do segundo andar tocava uma banda incrível. Para quem prefere uma cerveja ao ar livre, o simpático terraço no andar de cima oferece outro ponto de bar.
Ao lado do Macuna, outro sobrado nos chamou atenção pela luz vermelha acessa nas escadas e no interior e pela música que vinha de dentro. Música dos anos 1980, no melhor estilo dance, subimos e chegamos ao Santo Rio. De cara um aconchego só, numa mistura de mobiliário antigo de brechós e um piso de parquê paulista num dos ambientes, no único andar em uso pelo bar. A única ressalva é o banheiro, que a dupla Marcio Espinoza e Diego Honorato, donos do local, precisa urgentemente resolver.
Seguimos. Na esquina com a Arnaldo Quintela, estava o Treme Treme, um típico boteco raiz, daqueles que têm petiscos generosos e cerveja bem gelada. As mesas ocupam a calçada e estavam todas lotadas, com gente em volta conversando e aguardando a vez de sentar. Já na Arnaldo Quintela, andamos em sentido contrário ao trânsito e foi uma surpresa encontrar um bar atrás do outro. Lemô, Calma e Mortadellas são os próximos, estilo botequim de bairro com mesas nas calçadas e totalmente cheios, o que nos fez seguir adiante no nosso roteiro.
E chegamos ao recém inaugurado Culto, com sua mistura de preto e vermelho e de cara um letreiro que chama atenção com a seguinte frase em neon vermelho: “Se você não é racista, homofóbico, sexista ou um idiota, bem-vindo”. Ali estão dois homens barbudos e tatuados, com quem paro para conversar. São dois dos donos, Pedro Aliperti e o tatuador Daniel Tucci. Pedrinho, como é conhecido, era dono do antigo Caverna, que funcionava ali pertinho, na Assis Bueno, e que deixou uma galera à deriva com o seu fechamento na pandemia. O Culto vem com o mesmo DNA do antigo bar, com sua pegada rock’n roll da melhor qualidade. O forte são as cervejas e drinques, acompanhados de hambúrgueres veganos. Lá dentro, música, mas pena que ainda tinha um circuito pela frente e não pude me demorar. Está na minha lista para a próxima visita.
Dali, fomos direto para o Quartinho, que fica no entroncamento entre a Arnaldo Quintela e a General Polidoro, e por isso tem duas entradas. É incrível, e eu super recomendo. Trata-se de um bar especializado em drinques. São cinco bartenders, verdadeiros magos da mixologia, que nos prendem ali no balcão, olhos vidrados nas misturas que saem a cada pedido. Gregg Sanglardh é o mais experiente, que me surpreendeu de cara com uma caipirinha, só pra começar. Mas quem chama a atenção mesmo é Meik, uma argentina que coloca fogo numa espécie de poção mágica chamada Poli Amor na Polinésia. Uma combinação de dois tipos de rum, acompanhados de lichia, laranja e limão, e que vem servido num pote que dá para quatro pessoas beberem juntas. Talvez venha daí a inspiração para o nome do coquetel, uma espécie de suruba do sabor.
As opções no Quartinho são muitas, e a brincadeira é ser surpreendida pelo bartender que te atende, sempre com uma sugestão que pode ir do Paper Planet ao Divino Maravilhoso, Ouro de Lobo, Lilibeth ou o clássico Old Fashion. Tudo vale a pena, juro. A conversa com a turma dos drinques, a experiência dos sabores, a novidade das misturas e o ambiente aconchegante.
Claro que a essa altura já não dava para mais nada e, dali, o caminho era para casa. Foi uma noite divertida, com muitas surpresas e a certeza de que o Rio volta, aos poucos, ao seu vigor. Que siga assim!
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval. Escreve sobre a cultura carioca e o que acontece de novo nas ruas do Rio.