Quantas cores no carnaval de rua do Rio! Não são apenas cores no sentido literal – também, mas não só. Refiro-me à multiplicidade de corpos jovens misturados em uma explosão potente e política, de uma alegria incontida, que não se via há muito tempo. São mudanças visíveis depois da grande reviravolta que foi a pandemia da Covid-19, que nos tirou das ruas e do convívio social. E que maltratou, especialmente, quem estava na virada da adolescência para o início da fase adulta, e que não pode experimentar o prazer de ocupar essa rua.
Tudo mudou e não seria diferente com o carnaval. Carnaval espelha a vida, é totalmente orgânico com o que acontece no nosso dia a dia. E não mudou pouco. Mudou como a sociedade, que se viu transformada não apenas pelas reflexões impostas pelo isolamento, pela iminência da morte diante do vírus desconhecido. A sociedade brasileira mudou nas suas entranhas. Mudou pelo direito e pelo avesso, sem lado certo.
O que tem acontecido na ruas do Rio nesse princípio de carnaval é uma demonstração clara da transformação. Nos corpos seminus, ‘agêneros’, andrógenos, provocativos, para além de todas as definições e de todos os esteriótipos. A fantasia carnavalesca hoje já não é mais a melindrosa, a odalisca, a pirata ou a baiana. A fantasia carnavalesca é a ousadia. Com quantos panos ou sem panos se queira ter. Futurista, confortável, sensual, atemporal, sem rótulos, com muitas identidades. É no uso do corpo que está a indumentária. E muitas vezes basta apenas apresentar o corpo coberto de brilho e de estrelas. Confesso que me sinto estranha, porque já não sei mais como me fantasiar. Mas também me sinto instigada a buscar novos caminhos.
A música do carnaval também já não é mais a mesma. Todo mundo hoje é um pouco músico, nos sopros, nas percussões ou em qualquer forma corporal de musicalidade. Desfiles com carros de som, trios elétricos e sonorizados parecem não ter mais sentido para a novíssima geração. O que se vê pelas ruas da cidade são as fanfarras, essa forma de cortejo que só precisa mesmo de gente junta tocando e celebrando, sem qualquer outra obrigação. E a folia subiu a ladeira em bando, ocupando cada vez mais o bairro de Santa Teresa, e se espraiando pelo Centro e Glória, os destinos preferidos da garotada.
Tem muita coisa acontecendo no carnaval. E na vida da gente. Há uma nova ‘Tropicália’ no ar. Eu chamo de ‘a primavera carnavalesca’. E vou além: vejo no carnaval de rua sinais da tão falada Era de Aquário. Eu chamo de Primavera de Aquário. É o futuro que já virou presente. Sem preconceito, abrindo espaços pro amor, com todas as suas cores, força, potência, e que se revelou pelo carnaval. Estou curiosa e animada para encarar o que a rua nos propõe. Que venha o carnaval! Evoé!
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.