Foi mesmo um dos maiores carnavais que já tivemos, e isso merece algumas reflexões. Muita música, muita fantasia e a juventude na rua, mostrando que depois da pandemia o carnaval só cresce, colorindo a cidade. Mas ainda persistem muitos problemas para quem está do lado de cá, na organização da festa.
A Riotur divulgou números impressionantes. O Carnaval injetou R$ 5 bilhões na economia do município do Rio no mês de fevereiro e é, segundo declarou o presidente da empresa de turismo do Rio, Ronnie Costa, o principal produto da cidade. Com um público recorde de 8 milhões de pessoas – um aumento de 3 milhões comparado a 2023 –, foram quase 400 blocos oficiais, sem contar um tanto de blocos novos e que não estão nos registros, também chamados de não oficiais, secretos, clandestinos, entre outras denominações. O que mostra que o carnaval de rua só cresce e cresce a cada ano, independentemente das políticas públicas ou da inexistência delas.
Só nos blocos de rua, a folia reuniu 6 milhões de pessoas, segundo cálculos da PM e os registros de câmeras do COR. Ou seja, o presidente da Riotur está certo, e o melhor projeto desta cidade é o Carnaval de Rua. E, justiça seja feita, os blocos e foliões merecem todos os elogios!
No entanto, mesmo com os resultados incríveis divulgados, há muita coisa ainda a ser feita para que a balança equilibre de forma justa todos os lados. Vamos a alguns pontos que carecem de muita atenção por parte das autoridades:
- A burocracia que envolve a “autorização” para um bloco desfilar – primeiro é preciso dizer que bloco não precisa de autorização, é direito garantido pela Constituição Federal. Mas, seguindo a linha história dos fatos, no início era apenas uma declaração para ciências dos órgãos públicos e para permitir o planejamento de apoio. Foi assim que começou esse sistema e que acabou virando uma dor de cabeça na vida de quem faz Carnaval. Em 2009, na primeira gestão do prefeito Eduardo Paes e tendo à frente da Riotur o secretário Antonio Pedro Figueira de Mello, criou-se um sistema que seria apenas para informação e que não tinha um caráter de autorização. Com o tempo, e principalmente depois do governo Crivella, esse sistema tomou outra direção que acabou sendo mantido pela atual gestão. Hoje, os blocos se veem no dilema de ser ou não oficiais e não suportam o peso da burocracia. Para explicar a quem não conhece essa via crucis, para se ter a tal autorização definitiva é preciso antes se ter o Nada a Opor das Polícias Militar e Civilm além do Corpo de Bombeiros. No entanto, a Riotur poderia simplesmente, como era feito antes, dar o seu ok a partir unicamente das reuniões com outros órgãos municipais. Quando condiciona o processo a órgãos de segurança da esfera estadual, cria uma verdadeira gincana de documentos e prazos na busca das tais autorizações. Se não há como desvincular dos órgãos estaduais, então que a própria Riotur se encarregue deles a exemplo do que acontece em São Paulo, unificando o processo e eliminando a tal via crucis.
- A falta de uma norma técnica adequada aos blocos de rua – de todos os órgãos, o mais complicado tem sido o Corpo de Bombeiros, por falta de uma norma técnica específica que possa traduzir as necessidades reais do carnaval de rua. Assim, a instituição se utiliza de várias normas voltadas para a realização de eventos de forma geral. O resultado é a inexequibilidade por parte dos blocos, na sua maioria comandada por pessoas da sociedade civil sem nenhuma prática em eventos, com pedidos nada razoáveis. Exemplos são as plantas de ruas feitas e assinadas por arquitetos, planos de fuga em caso de acidentes e contratação de ambulâncias UTIs de forma desmedida. O caso do Monobloco é exemplar, pois mesmo tendo dois postos médicos nos arredores montados pela secretaria de Saúde do município e tendo à disposição 10 ambulâncias UTIs, ainda assim teve que contratar mais 10 unidades adicionais a apenas um dia do seu desfile.
- A falta de infraestrutura para atender um carnaval diverso e plural – a questão dos banheiros é eternamente complicada, pois não basta colocar banheiros químicos em alguns pontos da cidade. Aliás, nem os banheiros químicos que “atendem” os blocos oficiais dão conta do recado pois, depois de 2 horas de uso, todo banheiro químico precisa de manutenção, o que não acontece. Então tornam-se equipamentos inviabilizados e dinheiro jogado literalmente na latrina. A solução para o xixi no carnaval são as ilhas de banheiros montadas sobre as redes de esgoto, que podem ser limpos de tempos em tempos e que atendem de forma melhor à população. E aí deveria ser incluído todo o carnaval, pois os locais por onde a maioria dos blocos passa são bem conhecidos, independentemente de os blocos serem oficiais ou não. Carnaval é uma coisa só. Exemplo disso é o Centro, talvez a principal área geográfica do Carnaval de Rua hoje, sem deixar de atender, obviamente, o Aterro, a Região Portuária, a Zona Norte, a Zona Oeste e a Zona Sul. Os blocos estão em todas as regiões da cidade, e todo mundo sabe disso.
- O modelo de patrocínio imposto, que não permite às marcas patrocinarem os blocos – esse tema circulou largamente nas redes sociais dos blocos e das associações, chamando a atenção do prefeito para o assunto. Não é que esteja exatamente imposto no caderno de encargos, mas virou uma prática “legalizada” pelos agentes do carnaval oficial e assim vai-se seguindo, com multas às empresas que escolhem os blocos e não o caderno de encargos. Com isso, os blocos estão sem alternativas de patrocínio que não sejam as marcas oficiais. E aqui, infelizmente à exceção da Ambev, nenhuma outra tem escolhido apoiar as duas pontas do projeto Carnaval. Além de injusto, esse modelo não está previsto em nenhuma lei.
- A falta de editais direcionados para o carnaval de rua – ainda um problema, pois o município – que é quem mais se beneficia do Carnaval de Rua – não prevê linhas de fomento ao Carnaval. Com a falta de patrocinadores privados pelas imposições do famoso “caderno de encargos”, não sobram alternativas para quem de fato coloca o bloco na rua. É urgente que seja pensada uma política pública nesse sentido, que crie um ecossistema saudável para a existência dos blocos, e para que seja possível continuar a fazer Carnaval. Afinal, quem paga a conta dos artistas, músicos, ritmistas, costureiras, aderecistas? Não é de banheiro químico que se faz um Carnaval.
Chamo mais uma vez a atenção das autoridades competentes para que esses pontos sejam resolvidos ainda no calor das comemorações de um carnaval incrível, como me disse pessoalmente o prefeito Eduardo Paes. Não dá para mais uma vez esse assunto ser jogado para debaixo do tapete e termos os mesmos problemas em fevereiro de 2025.
Sabemos como ajudar. Somos parte do processo e deveríamos ser ouvidos, chamados a opinar no planejamento, de forma antecipada. Esse assunto nos diz respeito diretamente e deveria caber a nós, organizadores de blocos, participar dos processos que definem a forma como o carnaval deve ser. Esperamos que tanto o prefeito quanto o governador nos ouçam e se ocupem um pouco desse “produto tão especial” que é o Carnaval de Rua.
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.