Carnaval de rua do Rio: a caminho da clandestinidade
A um dia do carnaval, blocos não têm autorização para desfilar, diante de uma burocracia gigantesca e tentando resolver o atraso que a Riotur causou
Era para ser o maior carnaval do planeta, depois da pandemia. No entanto, o que se viu em 2023 foi um mundo de chateações, resultado da falta de uma regulação clara sobre o carnaval de rua e da ausência de profissionais que entendam minimamente do assunto nos órgãos públicos. A um dia do carnaval, a maioria dos blocos não tem suas autorizações para desfilar.
Muitos estão ficando pelo caminho, diante da dor de cabeça que virou botar o bloco na rua. Está tudo errado e a gente precisa corrigir logo. Do contrário, não sobrará bloco nessa cidade. Ou seguiremos para a clandestinidade, nomenclatura com a qual decidiram chamar os que não dialogam com o poder público.
Os blocos têm lidado com um conjunto de exigências sem propósito e um jogo de empurra-empurra entre os entes das esferas municipal e estadual. A Riotur, por exemplo, começou e segue atrasada, o que resultou em uma cascata de problemas. O que deveria ter sido feito em novembro, só iniciou em janeiro. E aí já não havia como cumprir prazos dos órgãos de segurança. O Corpo de Bombeiros exige, no mínimo, 30 dias para a documentação de quem desfila com trios elétricos ou estruturas. Claro que todo mundo ganhou indeferimento da corporação, o que exigiu de nós extremo esforço para reverter a tal “intempestividade” dos processos.
Em seguida, nos deparamos com uma Nota Técnica dos Bombeiros que trazia uma sequência inexequível de solicitações, a maioria direcionada ao carnaval da Sapucaí. Na falta de outra legislação, tome-lhe esta Nota Técnica e cada Batalhão acabou tendo seu entendimento do que seria necessário. Se não fosse a boa vontade e solicitude da Comandante Mariana, da DDP, e da interlocução direta com o Secretário de Defesa Civil do Estado, Comandante Leandro Vieira, teríamos ficado pelo caminho. Mas os Bombeiros precisam, com urgência, de uma regulamentação adequada aos blocos de rua.
A mesma coisa se deu com a Polícia Militar e lá fui eu conversar com o Comandante Geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Coronel Henrique. Pedidos como torres de observação, planos de fuga, planta de ruas passaram a ser cobrados. O que acontece é que o carnaval de rua nunca mereceu dos governantes e dos representantes do Legislativo um olhar cuidadoso para que as exigências de responsabilidades fossem feitas de forma adequada a esse tipo de manifestação. Blocos não podem ser vistos como eventos. É preciso chamar quem entende do assunto para adequar todas as leis, normas técnicas, etc.
Para piorar, além das exigências descabidas, ainda veio a pressão da Prefeitura, através da Secretaria de Ordem Pública, sobre as marcas que patrocinam os blocos diretamente. E aqui chamo atenção para a urgência de se votar o Marco Civil do Carnaval de Rua, lei feita a muitas mãos na Câmara dos Vereadores, sob o comando do vereador Reymont. O marco está pronto desde 2020.
A questão é que os blocos têm sim o direito de ter seus patrocinadores para além das marcas que ganham o caderno de encargos. Totalmente desatualizado e distante do carnaval atual, esse documento pressupõe que só as empresas que estão com a Prefeitura podem atuar no carnaval. Acontece que nem todas as marcas necessariamente patrocinam o outro lado da festa, aliás o lado que faz a festa. E tome-lhe multa às empresas que escolheram vir ao lado dos blocos, sob o pretexto de que elas estão fazendo “marketing de emboscada”. Se os blocos não puderem ter seus patrocinadores, quem paga a conta dos músicos, ritmistas, pernaltas, costureiras, enfim, dos artistas?
Enquanto o carnaval de rua não for levado a sério pelo Legislativo e pelo Executivo, vamos seguir nesse conflito. Enquanto a Prefeitura do Rio não der a merecida atenção ao carnaval de rua, como dá à Sapucaí, não sairemos desse impasse. O que vai acontecer é que ou deixaremos de colocar o bloco na rua, ou seguiremos todos para a tal “clandestinidade”, com um carnaval mais anárquico, mais leve e talvez mais verdadeiro.
Rita Fernandes é jornalista, escritora, pesquisadora de cultura de carnaval e presidente da Sebastiana.