Era para a edição do Mimo Portugal estar acontecendo, na pequena cidade de Amarante, mas não deu. Em outubro, seriam as etapas Rio e São Paulo. Atropelado pela pandemia da Covid-19, um dos maiores e mais antigos festivais brasileiros teve que cancelar toda a programação de 2020 diante das notícias do avanço da doença no Brasil e no mundo. Todo o esforço de dez meses de trabalho e contratos assinados terá que ser revisto, segundo Lu Araújo, idealizadora do projeto.
O prejuízo vai ser grande para os produtores da área dos festivais e, pelo andar da carruagem, demora para o cenário ser revertido. Podem estar na mesma situação a maioria dos 190 festivais do estado do Rio de Janeiro, número levantado pelo Mapa de Festivais do Brasil, feito pela Sympla em parceria com a Data SIM, que acompanhou o setor nos anos de 2016, 2017 e 2018.
Para o Mimo, a saída em 2020 será a realização de um projeto digital. “Festival presencial, só mesmo em 2021. Estamos preparando uma edição especial online com exibição de shows ao vivo nacionais e internacionais, e uma série de programas com shows de edições passadas”, diz Lu.
Com seus 17 anos, o Mimo registra números impressionantes, como 1,85 milhão de espectadores em mais de 500 shows/concertos e 380 filmes exibidos. Começou em Olinda, ocupando espaços do patrimônio histórico, como igrejas e praças, com música instrumental de altíssima qualidade. E foi ganhando novos territórios, como Recife, João Pessoa, Ouro Preto, Paraty, Tiradentes, Rio de Janeiro e São Paulo. A última edição, no Rio, aconteceu na Fundição Progresso, Museu da República e Cine Odeon, e teve um público de mais de 100 mil pessoas.
Um pouco mais otimista está o curador e produtor Chico Dub, que, apesar de ver jogado fora todo o planejamento anterior, confirmou a realização do seu Novas Frequências, que completa dez anos, para o período de 1 a 20 de dezembro, no Rio. “Estamos aguardando ainda os acontecimentos para algumas definições, como em relação aos espaços, mas o festival vai acontecer e já estão confirmadas quatro instalações no Oi Futuro ”, conta, em primeiríssima mão.
Curiosamente, o Novas Frequências já propunha experiências musicais “fora do palco”, tema inclusive da última edição em dezembro de 2019, quando ninguém imaginava o que aconteceria no mundo diante de um novo vírus.“Estamos enxergando tudo isso por um lado positivo. Essa situação toda nos desafia a pensar ainda mais fora da curva”, explica Dub, que vê ainda a possibilidade de ampliar muito o público do festival com o que chama de múltiplas experiências, um pout-porri de formatos em que caberão, além de shows ao vivo, vídeos-artes, podcasts, programas de rádio, lives e outras bossas mais.
O projeto já oferecia uma série de experiências musicais inéditas, que podiam passar por jantares harmonizados com a frequência dos chacras, sessões de yoga com música ao vivo, música em CIEPs e outras mais, dentro dos conceitos de música experimental e arte sonora. “Teremos um grande desafio conceitual e de curadoria esse ano”, anima-se Chico.
Outro que confirmou a realização é o Festival de Verão Spanta, que manterá o projeto em apenas três dias, 14,15 e 16 de janeiro de 2021. “Vamos encontrar meios e formas de realizar, seguindo as determinações necessárias para manter a segurança das pessoas. Mas preferimos avançar, fazendo as adaptações necessárias, e estarmos preparados para o melhor. Costumo dizer que todo mundo se prepara para o pior, mas preferimos o caminho inverso”, diz Marinho Filippo, um dos produtores do Spanta, destacando que é papel dos produtores ajudar a construir a retomada do setor.
O line up ainda é segredo, pois será ajustado para o tamanho que o festival puder ter, quando se confirmarem as condições, mais adiante. “Poderemos ter artistas mais ou menos robustos para grandes públicos ou para shows mais reservados. Tudo vai depender”, completa.
O conteúdo e a curadoria geralmente são o coração dos festivais e, por isso mesmo, os internacionais são os que serão mais prejudicados. “Quem produz um festival internacional tem um quadro muito complicado hoje. Há todas as restrições impostas pelo coronavírus e também o fato de que o Brasil segue desaconselhado no exterior”, diz Lu Araujo. “Quem vai querer vir para o Brasil? A conta tende a ficar muita alta para os festivais de grande porte”, completa.
O setor vem se organizando em todo o Brasil, através da Associação Brasileira de Festivais – Abrafin, entidade nacional que vem buscando ampliar a discussão sobre a importância econômica e a necessária manutenção dos festivais. Hoje, fazem parte da Abrafin 115 festivais, mas tudo indica que esse número deve crescer.
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana, idealizadora do projeto Casabloco e pesquisadora de cultura e carnaval.