Rita Fernandes

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Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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A arte do carnavalesco Leandro Vieira concorre ao PIPA 2020

Em onze edições, é a primeira vez que um artista ligado ao carnaval é indicado ao importante prêmio de arte contemporânea

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Atualizado em 20 ago 2020, 11h01 - Publicado em 20 ago 2020, 00h38
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  • Ele sempre gostou de brincar o carnaval de rua, principalmente no Cordão do Boitatá. O roteiro seguia do Embaixadores da Folia, na sexta-feira, direto para o Cordão da Bola Preta, na manhã de sábado. Não pensava nas escolas de samba, especialmente como um lugar de trabalho. Hoje, Leandro Vieira, o carnavalesco da Mangueira e agora também do Império Serrano, concorre ao Prêmio Pipa 2020, um dos mais importantes da arte contemporânea brasileira. Em onze edições, é a primeira vez que um artista que produz para o carnaval é indicado.

    “Me alegro por mim e pelo meu trabalho, mas também pelo reconhecimento do meio onde realizo minha obra. Espécie de trincheira artística tão menosprezada pela elite intelectual brasileira; diminuída em função da incompreensão de sua explícita face popular e vitimada pelo preconceito latente com as coisas que são a extensão de corpos subalternizados”, escreveu em suas redes sociais.

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    Leandro Vieira é o primeiro artista de carnaval indicado ao Premio Pipa de arte contemporânea (Oscar Liberal/Divulgação)

    Leandro entrou para o mundo das escolas de samba pela necessidade de trabalhar. Era aluno de pintura no curso de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e, um dia, meio por acaso, ficou sabendo de um estágio nos barracões, mas que era exclusivamente para alunos do curso de indumentária e cenografia. Mesmo assim, decidiu ir até lá. Ironicamente, a primeira escola em que bateu na porta foi a que anos mais tarde lhe traria os títulos de campeão. Mas não começou por ali. Foi barrado pelo porteiro do barracão Mangueira, que disse que procurasse trabalho em outro lugar, pois ali só “gente com experiência”. Persistente, bateu na porta ao lado. Era a Grande Rio, onde foi contratado como ajudante na bancada de adereços.

    Mas a carreira de criação carnavalesca começou, de fato, na Portela, ao lado do carnavalesco Caê Rodrigues, em 2006. Leandro tocava cuíca na bateria da escola e um dia pediu ao mestre Nilo Sergio que apresentasse seus desenhos ao carnavalesco. Imediatamente foi chamado para integrar a equipe de figurinos, sob o comando de Paulo Brasil. Assim, colorindo fantasias, Leandro Vieira passou a integrar a equipe de criação, no que ele afirma ser o que mais gosta de fazer.

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    “Eu gosto é de vestir gente pra brincar o carnaval” – Os tons suaves e bem combinados na fantasia de Bate-Bola no desfile de 2018 da Mangueira (Foto Alexandre Loureiro/Divulgação)

    “A parte que mais gosto no meu trabalho é vestir gente para brincar o carnaval. Gosto demais de trabalhar as fantasias, de montar os personagens. Era o que fazia com os meus amigos, quando saíamos para os blocos de rua, da minha casa na Ilha do Governador. Eu criava piratas, bate-bolas, presidiários que minha mãe costurava mim e para os amigos. Teve até um ano em que saímos todos de princesas da Disney”, conta, divertindo-se.

    Leandro permaneceu na equipe de Cahê Rodrigues de 2006 a 2014, entre Portela, Grande Rio e Imperatriz. Em 2015, assumiu o desafio de fazer sozinho o enredo da Caprichosos de Pilares, que lutava com dificuldades no Grupo de Acesso. Ganhou tantos prêmios com esse trabalho que o então presidente Chiquinho da Mangueira quis conhecê-lo e acabou convidando-o para assumir a escola. Leandro estreou na verde e rosa em 2016 com um enredo campeão: “Maria Bethânia – A Menina dos Olhos de Oyá”.

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    Depois vieram “Só Com a Ajuda do Santo”, em 2017, que falava sobre a religiosidade brasileira; “Com Dinheiro ou Sem Dinheiro, Eu Brinco”, em 2018, um recado ao prefeito Marcelo Crivella; “História Para Ninar Gente Grande”, enredo campeão de 2019 que, entre outros, homenageava a vereadora Marielle Franco, assassinada junto com o motorista Anderson Gomes; e “A Verdade Vos Fará Livre”, sobre como seria a volta de Jesus Cristo nos dias atuais, em um contexto de intolerância, preconceito, violência e perseguição.

    Carro Dragão do Mar – Mangueira – Foto Fernando Grilli
    A ala em amarelo, menção ao intelectual negro Luiz Gama, em contraste com o preto e branco do carro alegórico sobre Chico da Matilde, o Dragão do Mar (Foto Fernando Grilli/Divulgação)

    Desde então, Leandro Vieira tem despertado o olhar de críticos, carnavalescos, imprensa e de todo o mundo do samba sobre seu trabalho, que passa sempre por temáticas muito contemporâneas, pelo enfrentamento às questões mais urgentes nos debates políticos e pela coragem de abordagem. Além, é claro, do apuro estético de um artista que usa as cores de forma exemplar.

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    “Chama atenção como Leandro trabalha as cores a serviço do conjunto, do enredo, com meios tons, contrastes, tons pastéis, entre rosa seco, verde claro, madrepérola, cores difíceis nos contextos do carnaval, que geralmente usa uma paleta mais forte. Claro que isso tem a ver com o fato de ele vir da pintura”, comenta a crítica e curadora de arte Daniella Name.

    Outras características que ela destaca são a contemporaneidade do trabalho e a desenvoltura com que ele faz referências a outros artistas dentro da sua obra. “Leandro traz Renato Lage com seu pierrô ‘adoecido’, no desfile de 2018, com um band-aid no nariz, em analogia ao pierrô de Renato no desfile da Mocidade, em 1999. Tem referências ao escultor Victor Brecheret e seu Monumento às Bandeiras, no Parque Ibirapuera, que foi pichado, o carro de Oxalá que cita Rubem Valentim, as fotos de Evandro Teixeira, no carro da ditadura”, comenta a crítica de arte.

    Duque de Caxias – Mangueira
    A critica presente no trabalho de Leandro: Duque de Caxias samba sobre os corpos invisibilizados pela História. (Acervo/Reprodução)
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    O conjunto da obra de Leandro Vieira explica sua indicação ao Prêmio PIPA. Seu trabalho é arte contemporânea expressa através do carnaval, por si só uma linguagem de transformação. Leandro aponta novas direções e desperta olhares importantes para essa festa tão pagã, como ele mesmo afirma, discriminada há tempos pela elite intelectual e diminuída pela sua faceta mais popular.

    “Ser indicado ao prêmio e estar concorrendo na segunda fase do Pipa é o reconhecimento não de um único artista, mas sim, do meio onde ofereço minha arte. O reconhecimento não é apenas meu. É também o reconhecimento dos carnavalescos que vieram antes de mim. É o reconhecimento dos que virão depois de mim”.

    A votação para o prêmio é on-line, pelo site. Convido a todos a votar em Leandro Vieira, trazendo o merecido reconhecimento ao artista e, sobretudo, ao carnaval.

    Rita Fernandes é jornalista, escritora, diretora do Festival Casa Bloco, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval

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