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Rita Fernandes

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Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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O carnaval de rua precisa de editais próprios

A retomada cultural está movimentando diversos setores, mas o carnaval dos blocos ainda carece de linhas de fomento próprias para a sua sobrevivência

Por Rita Fernandes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
4 ago 2023, 09h45
Carnaval de rua
Os blocos de rua são responsáveis por uma das maiores gerações de renda no Rio, e, no entanto, não têm linhas públicas de fomento municipal. (Fernando Maia/Riotur)
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A cultura foi um dos setores que mais sofreu com as restrições impostas pela pandemia, e os artistas se viram sem oportunidades de trabalho por bastante tempo. Com a retomada do setor, a quantidade de eventos, projetos e principalmente festivais que vemos hoje em todo o Brasil parece estar muito além do público consumidor.

Junta-se a essa retomada a mudança de comando do país, com a eleição do presidente Lula, que trouxe de volta novos e atentos olhares para a cultura nacional, tão devastada na gestão anterior. O retorno do Ministério da Cultura, da Funarte e o fortalecimento de órgãos culturais importantes foram decisivos para a mudança estrutural que se anuncia para os próximos anos. Com isso, muitas leis e editais puderam ser lançados, em âmbito federal, estadual e municipal, o que aqueceu ainda mais este mercado.

Diversas linguagens estão contempladas nas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc e em editais de fomento direto como os da Funarte e das secretarias estadual e municipal de cultura do Rio de Janeiro. Mas chama a atenção que, mais uma vez, fica de fora o carnaval. A única exceção é o edital da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado, que será lançado em breve, e que vai prever linhas de fomento voltadas para as diferentes representações do carnaval.

O jornalista Victor Belart é um dos que tem chamado atenção para isso na sua página “Cidade Pirata”. Organizadores de blocos e presidentes de ligas, como eu mesma e Rodrigo Rezende, da Zé Pereira, já cansaram de bater nessa tecla em eventos e seminários que têm o carnaval de rua como tema central. Há 14 anos, no seminário Desenrolando a Serpentina, de 2009, realizado pela Sebastiana no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), foi tirado um documento com encaminhamentos ao então prefeito Eduardo Paes, em que se pedia, entre outras coisas, a criação de linhas de fomento para o carnaval de rua. Outras vozes se juntaram anos depois, mas até hoje nada de concreto aconteceu.

O modelo do carnaval no Rio é diferente do de outras cidades, como Recife e Olinda, por exemplo, que respondem por dois importantes carnavais brasileiros. Aqui, o carnaval está sob os cuidados do órgão de turismo, a Riotur, e não da cultura, como nessas cidades pernambucanas. Pode parecer bobagem, mas não é, pois é o lugar de onde saem as decisões. O encaminhamento do turismo é totalmente diferente do da cultura, e por isso mesmo o carnaval nunca é visto como uma linguagem cultural. Esse é um problema muito característico do Rio de Janeiro, onde desde meados do século XX, na gestão do prefeito Pedro Ernesto, as narrativas sobre o carnaval já o associavam ao turismo internacional.

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“Ainda existe a possibilidade de os futuros editais da Secretaria municipal de Cultura fazerem uma linha para blocos, mas a impressão que fica é que não é do interesse mexer em uma pauta que está sob os cuidados da Riotur. Porém, sabemos que a Riotur é uma empresa de turismo e eventos, e que o carnaval é política de base e formação”, escreveu Belart em um post recente.

O movimento dos blocos de rua vai muito além dos quatro dias de folia. Basta ver a quantidade de agremiações que participaram de festas juninas na cidade – ou realizaram as suas próprias, como a Terreirada Cearense –, como também de grupos contratados para tocar em casamentos, eventos corporativos, festas de aniversário e festivais. Muitos desses músicos são artistas profissionais que dependem da manutenção das suas agendas.

É correto reivindicar ao prefeito Eduardo Paes e à secretaria de Cultura a criação de editais específicos que atendam a esse universo, hoje composto de mais de 500 grupos diferentes. Não dá para misturar tudo numa chancela “cultura popular” ou “folclore” – termo inclusive em desuso, para que julgadores avaliem entre coisas tão distintas como rodas de samba, folias de reis, Bois Pintadinhos, grupos de Clóvis, blocos de rua e outras manifestações que tantas vezes se misturam nessas “rubricas”.

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“Temos (…) que pensar ou demandar mais o carnaval de rua dentro da secretaria de Cultura. Porque a Riotur é uma empresa de turismo, mas o carnaval de rua não acontece aqui apenas quando chega a hora do cortejo. Esse é apenas um recado, levantando ideias possíveis para um carnaval de blocos mais constante, porque, por hora, o que cabe é um bloco disputar com uma banda de rock, uma roda de samba, categorias unificadas em editais de apresentação. Sabemos que sairia barato para o Rio de Janeiro fazer projetos mais específicos e educacionais envolvendo o carnaval de rua”, escreve Belart.

Há nos blocos de rua uma profunda interseção com a educação. Os grupos dão aulas e fazem oficinas de percussão, de sopros e outros instrumentos, com forte caráter agregador, principalmente sobre a criançada e a juventude. É trabalho de base, é trabalho de longo prazo, para formação de uma sociedade mais justa, mais igualitária, a partir de uma expressão cultural que, sem esforço, cumpre esse papel.

Pois a hora é essa. Tentar formar opinião de gestores públicos e de legisladores de que o carnaval merece, sim, o seu espaço nas esferas municipal, estadual e federal. É preciso lembrar que dentro do carnaval há também muitos carnavais. E que carnaval é de todos e para todos, talvez uma das mais democráticas manifestações culturais do povo brasileiro. Se nada disso bastar, vale recorrer ainda aos números: no Rio, o carnaval faz girar mais de 3 bilhões de reais na economia carioca. É emprego e renda pra muita gente, a maioria delas fora da cadeia produtiva do próprio carnaval. Fica aí a reflexão.

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Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.

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