O samba, que é a cara da cidade, parece ter tido um boom de adeptos no Rio depois dos anos de pandemia. O ritmo se espalha com força total em praças e casas noturnas, em festas e festivais. Não que ele tenha saído dos circuitos, mas parece que houve uma explosão de rodas de samba em todos os cantos, com a chegada de uma novíssima geração de fãs, que também vem trazendo algumas mudanças nas setlists, misturando o gênero a outros, como o pagode e o forró. E as opções são muitas, para quem segue o princípio de que “quem não gosta de samba, bom sujeito não é”.
O Samba do Trabalhador, no Andaraí, comandado pelo mestre Moacyr Luz sempre às segundas-feiras, está sempre lotado, com a presença inclusive de artistas como Teresa Cristina que dão canjas por lá. Mesma coisa o Beco do Rato, na Lapa, por onde passam artistas variados, como Moyseis Marques, Casuarina, entre outros. Na Gamboa, tem também, nas segundas, o Samba da Pedra do Sal.
Mas, para além desses redutos já consagrados e tradicionais na cidade, há novos espaços que vêm mostrando novos grupos. No Mourisco Mar, em Botafogo, todo sábado tem o Sambinha da Enseada, que na programação deste fim de semana traz Cozinha Arrumada e Samba de Lei. Além da música e da animação, ainda tem a incrível vista da Baía de Guanabara com o Pão de Açúcar ali na frente.
No Espaço Corcovado, no Cosme Velho, tem o Samba Combinado, uma mistura de samba e forró que vai contar com os grupos Casa de Marimbondo, Forró da Taylor com participação de Julia Vargas e a DJ Ana Santi. O Corcovado costuma receber uma moçada entre 20 e 30 aninhos, dando uma cara nova aos tradicionais e eternos sambas de raiz.
Ali pertinho, o pessoal do Sambotica vem fazendo sucesso no Largo do Boticário, local que passou por um grande processo de revitalização trazendo de volta um dos lugares mais bonitos e bucólicos da cidade, com suas casas neocoloniais tombadas pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac) desde 1987. O Largo está totalmente recuperado e conta com um hotel da rede francesa Accor que propõe um formato de hospedagem chamado de “Open House”, que combina os conceitos de hostel e de hotel tradicional.
A Praça Tiradentes é outro reduto do samba, com programação de primeira. Chamam a atenção algumas rodas, como a turma do Balaio Bom, que tem Marina Iris e Marcelle Motta, entre outros, há cinco anos por ali, num trabalho consistente de resgate e manutenção do gênero e de geração de oportunidades de trabalho a partir da música e da cultura.
A Tiradentes também tem sido a casa das rodas de samba só de mulheres. Hoje tem Samba Que Elas Querem, com Angélica Marino (tantan), Bárbara Fernandes (violão de 6 cordas), Cecília Cruz (cavaco), Giselle Sorriso (surdo), Karina Neves (flauta e percussão), Silvia Duffrayer (cantora e percussionista, pandeiro), Júlia Ribeiro (cantora, compositora e percussionista) e Mariana Solis (cantora e percussionista, caixa de guerra e agogô). Amanhã é a vez do Moça Prosa, com Fabiola Machado e Jack Rocha (vocais), Claudia Coutinho (cavaco), Michele Souza, Ana Priscila, Taina Brito, Dani Andrade e Luana Rodrigues (percussão), que abre o show de Gabi Amarantos, na programação gratuita do festival Mulheres Plurais, realizado pelo Sesc Rio.
No Arpoador, aproveitando os fins de tarde e o por do sol, toda quinta-feira rola o Samba do Orelhão, no Alalaô Kiosk, um ponto de cultura que mantém, além do samba, uma roda de ska. O Alalaô é um projeto idealizado pelo produtor cultural Marcus Wagner, com muitas ideias incríveis misturando arte, música, sustentabilidade, entre outras novidades. Ali a música é sempre muito boa e animada, tendo ao fundo a paisagem do mar de Ipanema.
Nessas novas rodas, com uma galera mais jovem, há uma mudança nítida de comportamento do público, segundo Fabíola Machado, do Moça Prosa e do Awerê. “Acho que estamos em um grande boom das rodas, com uma nova geração chegando e querendo misturar samba e pagode, querendo mais festa! Estamos, inclusive, buscando entender a mudança de comportamento das rodas de samba nas ruas! E estamos nos adaptando, pois o público mudou. Achamos que era algo temporário, mas não, veio uma mudança de comportamento de um público mais jovem, que não quer ouvir tanto os sambas tradicionais, o chamado samba-raiz, e que hoje busca a música para cantar junto, que quer mais interação e o pagode é mais popular”, avalia.
O fato é que só fica fora da roda quem quer. Do Leme ao Pontal, em todas as direções da cidade e até avançando para Niterói, nas ruas, praças e casas noturnas, o samba vem se impondo cada vez mais, como o ritmo que pulsa junto com a cidade. A melhor expressão, com certeza, do jeito despojado, afetivo e descontraído do povo carioca.
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.