Carnaval na rede: o que vem por aí antes da folia
Folia cibernética de blocos e ligas invade o mundo digital com shows, lives, oficinas e debates em setembro, com a ajuda do edital Bloco Nas Redes
Vai ter carnaval na web e não vai ser pouco. Duramente afetados pela pandemia da Covid-19, os blocos de rua do Rio ganham fôlego com o edital Bloco Nas Redes lançado pela Secretaria de Cultura em Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro e que vai beneficiar, só no que diz respeito ao carnaval de rua da capital, cinco ligas e mais de 50 blocos. Serão shows no formato de lives, debates e oficinas virtuais, nos meses de agosto e setembro, realizados pelas ligas Sebastiana, Zé Pereira, Blocos e Bandas da Região Portuária, Sambare e Coreto.
A folia cibernética traz, nos dias 3 e 4 de setembro, o Festival Sebastiana: Meu Bloco na Rede, que começa com duas mesas de debates. A primeira mesa, às 18h, vai colocar em pauta a virtualização do carnaval em função da pandemia e como se dará um possível retorno às ruas. Participam da mesa “Meu Bloco Na Rede” as pesquisadoras Marina Frydberg (UFF) e Andrea Estevão (UFRJ/ECO), Pepe Jordão (Fundarpe/PE), Raquel Poti (Pernalta), com mediação de Jorgito Sápia (Meu Bem Volto Já/Sebastiana).
A segunda mesa é “Meu Bloco na Rua”, uma provocação sobre a falta que o carnaval faz, a saúde do carnaval e oxigênio que a festa representa para as civilizações, além dos aspectos de inclusão, economia e desenvolvimento. Turma da pesada na discussão, que tem Renata Rodrigues (Mulheres Rodadas), Nayara Garófalo (Bloco Angola Janga, BH), André Brasileiro (Festival de Ganharuns/PE), Garnizé (Tambores de Olokun) e Luis Antonio Simas (historiador), com mediação minha representando a Sebastiana.
No dia 4, sábado, a apresentação musical “Meu Bloco Na Rede: 36 anos de retomada carnavalesca” reúne nove blocos da Sebastiana e mais o Clube do Samba, como convidado. Estarão no palco do Teatro Rival Refit, de onde o show será transmitido ao vivo, os blocos Simpatia É Quase Amor, Suvaco do Cristo, Barbas, Carmelitas, Escravos da Mauá, Imprensa que eu gamo, Meu Bem Volto já, Gigantes da Lira e Virtual.
Um passeio pela história dos blocos que participaram da retomada carnavalesca nas décadas de 1980 e 1990, através de sambas e marchinhas de carnaval, nas vozes de Marina Iris, Moyseis Marques, Leonardo Bessa e apresentação da jornalista Alinne Prado. Revezam no comando da bateria, os mestres Penha, Felipe e Felipão. O show será transmitido diretamente do Teatro Rival Refit. Depois da live, o festival encerra com a festa Carnaval Remix, com o DJ Mam, também pelo youtube da associação.
No mês de setembro, o projeto “O Fio da Meada”, da Liga Amigos do Zé Pereira, traz apresentações musicais dos blocos da Liga Amigos do Zé Pereira, como Toca Rauuul!, Último Gole, Quizomba e Laranjada, além de oficinas virtuais com Orquestra Voadora, Vagalume, A Rocha e o centenário Cordão da Bola Preta. As lives marcam a estreia do canal da Zé Pereira no Youtube.
“Pegar o fio da meada”, na definição do dicionário de expressões, é uma forma de entender o fluxo de ideias ou fatos do momento em que vivemos. Nosso projeto busca esta compreensão, com todo o respeito, do jeito que sabemos fazer: carnavalizando”, conta Rodrigo Rezende, presidente da Zé Pereira.
A Liga de Blocos e Bandas da Região Portuária resolveu colocar na rede seu tradicional encontro de blocos, que não pode ser realizado em fevereiro, em um show com a participação dos 15 blocos associados, apresentando seus sambas antigos e novos. “Vamos relembrar nossa história, com depoimentos das personalidades do carnaval, contando o sobre mais de um século dos blocos de sujo e blocos de embalo da nossa região. Uma exaltação à nossa velha guarda, que é patrimônio da Zona Portuária”, diz Rosieth Marinho, presidente da liga.
A Sambare – Liga de Blocos e Bandas da Barra, Recreio e Vargens vem com Oficina de Tamborim e Caixas, com Ivo Meirelles, do Bloco Tô no Recreio; Oficina de Bateria e Percussão “in Bossas”, com percussionistas de vários blocos da associação, em que ensinarão a execução das bossas de uma bateria. Pra quem não sabe, “bossas” são apontamentos de mudanças, seja na forma de conduzir a bateria, dos instrumentos musicais e inovações rítmicas. E finaliza com show musical “Sambare viajando pelas marchinhas”, com a participação de componentes, músicos, ritmistas, intérpretes e passistas de todos os blocos e bandas da associação.
“O edital veio em ótima hora, pois sem poder fazer os eventos por conta da pandemia há um ano e seis meses, muitos sambistas estão ‘sufocados’. Nosso projeto vai relembrar os bons carnavais passados e reacender a chama do Carnaval “não realizado” em 2021”, comemora Valéria Wright, presidente da Sambare.
Coreto vem com lives dos blocos Olha Pá Mim, Multibloco, Bloco Pipoca e Guaraná, pelo canal seu canal no Youtube, começando no 31 de agosto. No dia seguinte, 1 de setembro, se apresentam Balanço Zona Sul, Blocobuster e Turbilhão Carioca, enquanto no dia 2, é a vez de Bloco do Caramuela e Agytoê, todos pelo canal da liga.
Mais adiante, ainda sem data, a liga promete fazer a reedição do “Pulo do Coreto”, programa de entrevistas com outros 13 blocos do grupo, que vão contar suas histórias pelas mídias sociais. Há planos de um debate sobre carnaval com personagens importantes da festa carnavalesca.
“Esse edital veio em um momento muito oportuno, no qual as ligas podem oferecer alguma ajuda aos seus blocos associados. No caso do Coreto, vamos conseguir realizar um projeto que muito nos orgulha pela diversidade de atividades, um grande alcance entre os trabalhadores da economia criativa do Carnaval que são nossos parceiros. E também aplacar a saudade que todos estávamos de cantar junto e dançar ao som de um bom bloco de carnaval”, resume Edmaro Rodrigues, diretor de relações institucionais.
Não deixe o samba morrer
Além dos blocos de rua, mais de 100 escolas de samba de todo o estado também foram beneficiadas pelo fomento. Foram dois editais dirigidos exclusivamente a projetos de carnaval, Bloco Nas Redes e Não Deixe o Samba Morrer, que direcionaram R$ 3,8 milhões oriundos do Fundo Estadual de Cultura (FEC) para a recuperação de uma cadeia produtiva muito afetada pelo cancelamento do carnaval em 2021.
Ao todo foram aprovados 84 projetos, entre escolas de samba e associações e ligas de blocos de rua, prejudicados com o cancelamento dos desfiles, em virtude da pandemia. Para assegurar que os profissionais que atuam na linha de frente do carnaval fossem beneficiados, as agremiações precisaram garantir nos projetos a utilização de pelo menos 25% dos recursos para o pagamento de pessoal.
“Nós só somos instrumento para fazer a política pública acontecer. O importante é que esses recursos cheguem à ponta dessa cadeia produtiva e criativa, que encanta o mundo com suas cores e seu ritmo. Neste momento em que a pandemia nos preocupa, estamos garantindo recursos para os artistas do carnaval e uma atração cultural segura para o público poder curtir em casa”, declarou a secretária de Cultura do Estado, Danielle Barros, que ouviu lá atrás, em fevereiro, o pedido de quem havia ficado de fora da lei Aldir Blanc e que não poderia realizar o carnaval.
Foi um golaço da secretária. Com esse edital de recuperação econômica, todos ganham: o público, que vai desfrutar de muita coisa boa, mas, acima de tudo, os profissionais parados há tanto tempo e que têm feito um esforço hercúleo para sobreviver. Que sirva de inspiração para o planejamento, em todas as esferas de poder, para o próximo ano, caso não seja possível realizar o carnaval. O tempo de planejar é agora.
Evoé!
Rita Fernandes é jornalista, escritora, pesquisadora de cultura e carnaval.