Ontem fez três anos da morte do “Pérola Negra” Luiz Melodia. Que falta faz esse artista que tanto representou a nossa carioquice, em composições como “Estácio, Holly, Estácio”, “Diz Que Fui Por Aí” e “Magrelinha”. Mas, se há perdas, como a partida de Melodia, Moraes Moreira e Aldir Blanc em um passado tão recente, por outro lado há também bons motivos para comemorar a música brasileira.
Mesmo com a parte de mostras e apresentações cancelada pelos protocolos de isolamento, o Toca – Festival da Canção, realizado pela Sarau, teve um surpreendente aumento de 520% no número de músicas inscritas na edição deste ano, a segunda do projeto, e diante do cenário de pandemia da Covid-19. Foram 1.557 canções contra 250 em 2018. Resultado excepcional que mostra a efervescência da produção musical brasileira, como ressalta a produtora e idealizadora do projeto, Andrea Alves, revelando um Brasil diverso e muito ativo na área da composição.
“Olha, como foi bom ter feito o festival! Tivemos um número recorde de inscrições nessa versão digital, mesmo com todas as dificuldades do momento. Estamos apenas na segunda edição, e esse crescimento recorde no número de participantes. Foi muito importante ter mantido a decisão de fazer e acredito que cumprimos nossa missão”, diz Andrea, com empolgação de quem venceu uma batalha.
Cinquenta músicas foram selecionadas na etapa das semifinalistas. De acordo com o edital, a etapa seguinte premiaria as 12 melhores canções, mas devido ao grande número de trabalhos consistentes, a comissão julgadora abriu mais uma vaga nessa fase da disputa, que tem representantes das cinco regiões brasileiras. Agora, as três vencedoras serão escolhidas por votação popular através do site do festival e anunciada no dia 13 de agosto.
Basta ir ao site para ver a qualidade das composições e, claro, votar nas três preferidas. A diversidade de gêneros e de um Brasil que teve seus 26 estados e o Distrito Federal representados também chama a atenção. Trabalho árduo para os dois curadores que se debruçaram sobre o extenso material na difícil tarefa de chegar, inicialmente, às 12 finalistas, os artistas Alfredo Del-Penho e Pedro Luís.
“Havia muitas obras dignas de estarem na final, foi duro o processo de escolha. Hoje, depois dessa experiência, temos certeza que existe uma produção musical muito rica no Brasil, mesmo com essa pandemia. É uma força espalhada por todo o Brasil e queremos estimular cada vez, ampliando o acesso a novos compositores”, diz Alfredo Del-Penho.
Pedro Luís também destaca a qualidade e a abrangência dos trabalhos. “Foi difícil chegar a essa seleção que está na reta final da competição, e tivemos que estabelecer filtros porque seria impossível fazer as escolhas, diante do material que tínhamos à frente. A produção musical brasileira está incrivelmente efervescente”, destaca o cantor.
A difícil escolha de um vencedor
Do funk, ao samba, da MPB ao hip hop, todos os gêneros acabaram aparecendo no rol de participantes do Toca, inicialmente criado para ser um festival voltado para o que se convencionou chamar de canção, ou música popular brasileira, no fim da década de 1960. E a maior força do festival está mesmo nesse gênero, que acaba sendo o de maior relevância nos trabalhos apresentados.
Das 13 músicas finalistas, três são parcerias de artistas mais conhecidos, como “Cantiga de Erê”, de Caio Prado (do trio queer Não Recomendados) e Jean Kuperman; “Traz Você”, música de Anna Paes e Zélia Duncan; e “Mar”, composição inédita do casal Olívia e Francis Hime.
Outras apresentam novos compositores ou artistas que já têm carreiras consolidadas localmente. É o caso de Jonathas Pereira Falcão, mais conhecido como S. Pereira, cantor e compositor do grupo Seu Pereira e Coletivo 401, de João Pessoa, que existe desde 2009 na cena independente nacional. O compositor, poeta e pesquisador pernambucano Armando Lôbo disputa com “Martelo Agalopado”. A acordeonista baiana, cantautora e circense Lívia Mattos vem com “Apneia”.
Do Rio de Janeiro, Andrea Dutra concorre com “Arrastão Carioca”. Também do Rio, Bruno Barreto e Thiago da Serrinha, integrantes do Samba da Gávea, escolheram “Lágrima” para a competição. “Moro na Lagoa” é de Du Gomide, um dos músicos mais solicitados de Curitiba, que caminha entre beats eletrônicos e guitarrada brasileira. Luciano Raulino é o mais jovem do concurso, multi-instrumentista e compositor de Fortaleza, que concorre com a delicada “Achegar”. Marcelo Portela, que vive em Florianópolis e que tocou com artistas como Zé Mulato e Cassiano, Bule-Bule e Silvério Pontes, concorre com “Muiraquitã”. “Dos Olhos Verti Lágrimas” é a música finalista do percussionista brasiliense Bebeto Freire, em parceria com a cantora Ceumar. Fecha a lista “Desconforto”, de autoria de Thati Dias, de Macaé.
Recomendo muito a quem gosta de música de qualidade e está aberto a conhecer artistas novos um passeio pelas canções finalistas do Toca. O site é https://www.festivaltoca.com.br . A votação será encerrada no dia 10 de agosto e o resultado será divulgado até o dia 13 do mesmo mês, nas redes sociais do Festival. Em caso de empate, a decisão final ficará a cargo da comissão julgadora. De todo modo, os que estão ali já são vencedores, por chegarem tão longe e pela grandeza dos seus trabalhos. E, de fato, ganham todos, principalmente nós, os ouvintes.
As organizadoras do Toca já fazem planos para 2021 e acreditam que será possível realizar o festival por inteiro, com o concurso online e as mostras presenciais, projetadas como uma ocupação do Rio por inteiro, entre espaços culturais, salas de espetáculos e praças públicas. É aguardar para ver quanto trabalho terão os bravos curadores, na difícil tarefa de escolher os melhores entre os melhores da música popular brasileira.
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.