Tudo É Amor: Almerio emociona público cantando Cazuza
Em show único no Rio, o cantor pernambucano arrebatou o público com canções como Brasil e Exagerado, que marcaram a década de 1980.
Errou quem disse que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. No último domingo, 29 de maio, Almerio e Cazuza se juntaram no palco do Teatro XP, na Gávea, em Tudo é Amor, um dos shows mais arrebatadores que eu já vi. Montado a partir do disco homônimo, deixou o público em estado de catarse coletiva, emoção à flor da pele. E a entrega de Almerio àquele momento e àquele palco foi a coisa mais emocionante.
Almerio, um dos melhores cantores pernambucanos da atualidade, apresenta, em quase duas horas, 18 músicas de Cazuza. Mas ele não apenas canta. Ele interpreta, com toda a sua alma e com seu talento, canções como Eu queria ter uma bomba, Exagerado, Bete Balanço e o hino Brasil, com o qual terminou o show quebrando protocolos e descendo até a plateia para homenagear Lucinha Araujo, mãe de Cazuza, que estava presente. A plateia, que já estava de pé, explodiu.
Tudo é amor é lindo em tudo, das escolhas musicais ao cuidado nos detalhes sob a direção de André Brasileiro (direção geral), de Marcos Preto (direção artística) e de Juliano Holanda (direção musical), apoiados por uma equipe que cuida dos mínimos detalhes. Há uma mistura de delicadeza e reverência com a arte de Cazuza, mas também uma exaltação à sua verve política e irreverente, acentuando ainda mais os nossos sentimentos diante dessa realidade do Brasil. É impressionante como a obra de Cazuza é atual! O que ele cantava nos anos 1980 ainda hoje gritamos para despertar consciências e transformar realidades.
E Almerio traz a interpretação certa para isso tudo, com sua voz e presença, ao mesmo tempo forte e delicada, urbana e rural, a cara do país. Não tem como não se emocionar, tanto nos momentos mais sensíveis, como em Todo o Amor que Houver Nessa Vida e Cobaias de Deus, essa última composição de Cazuza e Angela RoRo do último disco, Burguesia (1989), pouco conhecida. Ou nos momentos mais animados, como em Brasil, Exagerado e Pro Dia Nascer Feliz, que encerra o show levando a plateia ao delírio. Juntam-se a esse caldeirão mágico os músicos Juliano Holanda (guitarra), Lima (teclado), Rapha B (bateria) e Roge Victor (baixo).
“É um show que eu temia muito, assim como o disco. Porque cantar Cazuza é de uma responsabilidade muito grande. Mexe comigo, com o cantor, compositor e intérprete que eu sou. Ele era muito espontâneo, muito orgânico em tudo o que fazia. E são músicas muito fortes. Mas veio uma super equipe, maravilhosa, que me deu segurança para cantar Cazuza. E o show foi ganhando corpo, e as cinco apresentações que fizemos até agora foram uma surpresa tremenda”, conta Almerio, carregado de emoção quando fala do artista.
Se Almerio teve medo, nada justifica. Com direção de movimento da também pernambucana Lili Rocha, ele expressa e transmite múltiplos sentimos, de solidão, dor e desalento a força, coragem e amor. Está tudo ali. Ele começa o show cantando Vai à luta, música do álbum Só Se For a Dois, de 1986, dentro de um cubo forrado com tule de lycra, em que sua silhueta e sua voz são realçadas. Quando se mostra ao público, com Amor, Amor, vem com toda a sua força.
Dali em diante, Almerio ocupa com corpo e voz o palco e domina a plateia, que canta junto, e que ouve emocionada as canções menos conhecidas e que foram privilegiadas tanto no disco quanto no show. Tudo é Amor tem isso, traz de volta músicas que não tiveram tanto sucesso quando lançadas, e que o show potencializa ainda mais, novas descobertas principalmente para o público mais jovem. Essa mistura de hits e lado B encanta, dando uma potência extraordinária ao que acontece no palco. E, a partir de Bete Balanço, Almerio ainda troca de roupa diante do público, ali dentro do cubo que desce à cena, assumindo um visual mais rock’n roll.
“O show tem todos os hits, com músicas rearranjadas, para as pessoas dançarem, chegarem junto da gente, mas também outras, e essa mistura é que faz Tudo é Amor ser tão especial. Tentamos fazer uma homenagem a esse poeta mágico, encantado. Toda vez que a gente canta Cazuza, a energia dele volta a nos visitar e a nos atravessar”, diz Almerio.
O projeto, idealizado por Ione Costa junto com Almerio, André Brasileiro e Marcus Preto, com direção musical do mago Juliano Holanda e realizado pela produtora Parças do Bem, ainda tem longo caminho a seguir. E, sinceramente, digo que o resultado é algo que só mesmo vendo para entender esse turbilhão de emoções que provoca na gente. Portanto, fique ligado na agenda que vem pela frente e promete ainda muitas apresentações no segundo semestre.
“Eu quero que as pessoas sintam uma injeção de vida, de amor na alma, que elas saiam maravilhadas, repletas de coragem, igual ao que eu sentia quando ouvia Cazuza quando era adolescente”, finaliza o cantor.
O que vi e ouvi na noite de 29 de maio só confirmou esse desejo. Almerio e equipe conseguiram injetar muito ânimo no público, que aplaudiu diversas vezes o cantor e os músicos em cena. E eu saí do teatro com a alma leve, esperançosa, certa de que ainda é possível um futuro digno para todos nós. No fundo, tudo é mesmo amor.
Rita Fernandes é jornalista, escritora e pesquisadora de cultura e carnaval.