A capa da última edição de papel da revista VEJA RIO traz uma matéria sobre o músico e produtor Liminha, personagem da maior relevância no pop-rock nacional. O perfil conta que ele, o Liminha, tocou na histórica banda Os Mutantes (ao lado de Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee), viajou legal na virada dos anos 60 para os 70 e, ao trocar São Paulo pelo Rio, tornou-se o mago dos palcos e estúdios. Liminha deu a cara do rock nacional dos anos 80, acompanhou Gilberto Gil em longa e fértil parceria e está aí, até hoje, ralando como um garoto. Eis o busílis: o cara fez (e faz) tanta coisa na vida que não coube tudo lá na revista de papel. Com a ajuda do entrevistado, inclusive, selecionamos mais um punhado de saborosas histórias sobre o Liminha:
1 O ESTALO
Arnolpho Lima Filho, o Liminha, era um garoto paulista que não amava, necessariamente, Beatles e Rolling Stones. O negócio dele era soltar pipa, ou papagaio, como chamam lá em São Paulo. Um dia… Ele conta: “lembro quando deu o estalo. Eu morava na Lapa, em São Paulo, estava soltando papagaio quando um amigo meu me chamou pra ver uma coisa. Era uma garagem aberta, pequena, mal caberia um fusca, com três caras. Lembro direitinho. Um era canhoto, tocava guitarra, o outro era destro, tocava guitarra também, e um baterista no meio. Cara, aquela imagem ficou congelada na minha cabeça. Eu nunca tinha visto uma guitarra, não sabia se era de plástico, de ferro, de madeira. Lembro das cores até hoje. A do cara que fazia a base era branca e vermelha. Eu entreguei o papagaio pro meu amigo e disse: ‘porra, é isso que eu quero’”.
2 OS PRIMÓRDIOS
Depois de trocada a pipa pela música, começou a rebeldia: Liminha comunicou à mãe que não iria mais acompanhá-la nos cultos dominicais da Igreja Presbiteriana. “Eu tinha 10, 11 anos, não queria mais ir porque tinha um programa na TV Tupi, do Julio Rosemberg, que era às 9h da manhã, na hora do culto, e nele apareciam todas as bandas bacanas da época”, lembra. Aos 13, o próprio Liminha viria a tocar no Programa Julio Rosemberg, como integrante da banda The Thunders. “Fazíamos cover de The Shadows, The Ventures, daquele roquinho feito na Califórnia pelo Dick Dale”, conta.
3 A COISA COMEÇA A FICAR SÉRIA
Com 16 anos, por aí, Liminha entrou para o grupo Os Baobás. O conjunto já tinha discos gravados e presença na TV. Ao lado dos novos companheiros, ele gravou pela primeira vez: os singles Light My Fire, da banda americana The Doors, e The Dock of the Bay, sucesso de Otis Redding. “Foi minha estreia em estúdio. Quem produziu foi o Roberto Corte Real, irmão do Renato Corte Real. Ele vivia de gravatinha borboleta, era um cara bem conectado com a música internacional”, diz. Um belo dia, na Rua Augusta, em SP, adentrando a loja Hi Fi, Liminha quase caiu pra trás. Ele conta: “a Hi Fi era A loja, era a coisa mais moderna que existia. Hoje todo mundo tem iPhone, tem música na internet, por toda parte, mas naquele tempo a Hi Fi era a loja que concentrava toda a informação musical. Tinha venda de discos, de equipamento, e umas cabines com fone para a gente ouvir as novidades. Era demais. Aí eu boto o pé no primeiro degrau da loja e tá tocando Light my Fire, a nossa gravação, dos Baobás. Eu quase morri, imagina, um moleque de 16 anos.” Com os Baobás, Liminha ainda acompanharia Caetano Veloso por uma curta temporada, antes de dar o grande salto: ir tocar com Os Mutantes.
Ouça Light My Fire na versão dos Baobás, com Liminha no baixo
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4 O MUNDO LÁ FORA, ANOS 70
A importância dos Mutantes e a qualidade da música feita pela banda são notórias. Baixista do grupo de 1969 a 1974, Liminha tocou e compôs com Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee – e, ao lado deles, também se divertiu um bocado. Em 1970, o conjunto foi convidado a tocar no Olympia de Paris. “Cara, foi um choque cultural. Estávamos vivendo a ditadura, no Brasil ilhado, enquanto ouvíamos histórias de gente bombando em Londres. Sonhávamos com um festival ao ar livre, paz & amor, como Woodstock, que não fosse uma competição como os festivais de música brasileiros”, conta.
Em Londres, em 1972, Liminha lembra, um tanto vagamente, de ter conhecido um inglês “super gente boa” chamado Mike. Foi apresentado ao sujeito por Lucinha Turnbull pioneira guitarrista brasileira. Logo em seguida, foram todos ajudar nas gravações de uma numerosa banda integrada por, entre outros, Mike e um outro inglês chamado Ritchie Court (sim, o Ritchie de Menina Veneno, que um ano depois viajaria para o Brasil). A banda britânica chamava-se Everyone Involved, nome que veio à mente de Liminha quando batizou o grupo do projeto Exagerado 3.0, em que ele produziu uma nova versão para o sucesso de Cazuza. “Fizemos a homenagem ao Cazuza, montamos a banda para o show e o pessoal da Musickeria, responsável pelo projeto, me perguntou por um nome para o grupo. Tava no táxi e lembrei na hora: Todos Envolvidos”, conta, achando graça. Também em Londres, Rita, Liminha e os demais mutantes assistiram a shows históricos, de Little Richard ao Genesis, passando por Edgar Winter e Joe Cocker. Em Londres ele também ouviu pela primeira vez, chocado, o som límpido das apresentações ao ar livre. “Tinha um grave, uma limpidez, parecia que eu estava na sala de casa ouvindo uma vitrola”, lembra. Na volta ao Brasil, começou a investir pesado em equipamento e tecnologia, o que viria a ser muito útil em seu futuro trabalho como produtor.
5 FAMÍLIA LIMA
Liminha é o jovial avô de três netos e tem três filhas: a produtora Nina, a atriz e modelo Alice Assef e Tita Lima, a única que o seguiu na música. A música da moça, cantora e compositora com dois discos gravados, você ouve AQUI
Abaixo, o clipe de Possibilidades, com Tita Lima, filha do homem
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6 GLÓRIAS PASSADAS
O casarão no Humaitá é conhecido no meio musical como Nas Nuvens. Com uma ponta de orgulho, Liminha define o estúdio que ele e Gilberto Gil criaram em 1984 como um “espaço cultural”. Trata-se de um ambiente caseiro, com equipamento de gravação acomodado em dois espaços, onde o músico e produtor desenvolve seus trabalhos. Ali foram gestados e burilados inúmeros discaços, muitos deles lembrados em uma galeria curiosa no segundo andar. A sala principal da casa é tomada por vestígios de uma era de ouro. Ouro e platina, mais exatamente, revestem os conhecidos prêmios em forma de LP distribuídos aos campeões de vendas da indústria fonográfica. Mais de trinta quadros pendurados nas paredes festejam marcas hoje inalcançáveis – a não se que o artista também seja padre ou pastor –, atingidas por discos como Selvagem?,do Paralamas do Sucesso (500 000 cópias), Sobre Todas as Forças, da banda Cidade Negra (750 000), e Acústico MTV, registro ao vivo dos Titãs (mais de 1 milhão). O dono dessa coleção de relíquias é também o único nome repetido nos créditos de todos os álbuns ali lembrados. Em tempos de mercado digital, a galeria nostálgica montada no estúdio do Humaitá celebra um modelo de negócio que não existe mais. O proprietário do lugar, no entanto, vai bem, obrigado.
7 PARCEIROS
Muito se fala sobre o virtuosismo de Liminha no baixo e na guitarra. Seu trabalho como produtor de quase 200 discos também é notório. Chama menos atenção, mas também é tremendamente consistente, a atuação do músico como compositor. “Esse lado dele é menos valorizado, mas não devia. Ele tem músicas espetaculares com Gil, Paralamas, um monte de gente. Estamos combinando umas coisas, ficamos de fazer música juntos”, conta Nelson Motta. A seguir, uma lista de parcerias de Liminha, a começar por Ai, Ai, Ai, dele com Vanessa da Mata, canção mais tocada nas rádios em 2006:
Invejoso (c/Arnaldo Antunes), Transbordada (c/Paula Toller), 2 x 100 (c/ Paulo Ricardo), A menina e o cachorro (c/ Ana Cañas e Arnaldo Antunes), Alegria ocidental (c/ Daniela Mercury), Bons amigos (c/ Ritchie), Dos restos (c/ Herbert Vianna), É pra rir ou pra chorar? (c/ Gabriel “O Pensador”), Eu quero sol (c/ Sofia Stein e Fernanda Abreu), Favelas e motéis (c/ Erasmo Carlos), Gimme your love (c/ Gilberto Gil), Lady, lady (c/ Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee), Mutantes e seus Cometas no país dos Baurets (c/ Ronaldo Leme, Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee), Nádegas a declarar (c/ Fernanda Abreu e Gabriel o Pensador), Nos barracos da cidade (c/ Gilberto Gil), Polícia & Ladrão (c/ Paulo Ricardo), Quero ser teu funk (c/ Dé e Gilberto Gil), Rhymes (c/ Don Grusin e Ricardo Silveira), São Paulo-SP (c/ Laufer, Fernanda Abreu e Fausto Fawcett), Silêncio (c/ Leoni), Simples viagem (c/ Bernardo Vilhena, Dennis Brown e Lazão), Sou da cidade (c/ Rodrigo Campello e Fernanda Abreu), Tem amor (c/ Daniela Mercury), Top top (c/ Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee), Vamos fugir (c/ Gilberto Gil)
8 TOP TEN
O próprio Liminha listou alguns dos muitos discos produzidos por ele e, gentilmente, comentou sobre cada um dos trabalhos. Segue a lista, com as anotações do músico ipsis litteris:
– O 1º disco das Frenéticas, por ter sido minha primeira produção assinada e ser também o primeiro disco de ouro da Warner que acabava de se instalar no Brasil.
– Luar / Gilberto Gil: Gil passou a ser um grande vendedor no disco anterior ( Realce ). Fiquei com a responsabilidade de dar sequencia à isso. O disco foi um verdadeiro sucesso. A música “Palco” foi o maior hit ( talvez a primeira música pop gravada com click ) Foi a primeira vez que mixei em Los Angeles. Nessa minha passagem por lá, aprendi muito sobre técnicas de gravação com o engenheiro Humberto Gatica. Foi um verdadeiro marco em minha carreira. Apaixonei-me pela cidade e mais tarde mudei pra lá.
– Tempos Modernos de Lulu Santos: Detectei esse grande talento e o contratei pra Warner. Depois disso fizemos “O Ritmo do Momento e “Tudo Azul” ( Mixado no Electric Lady Studios, o estúdio de Jimi Hendrix em NY ) Foram discos divertidos de se fazer, toquei baixo em quase todas as faixas. Lulú provou ser mesmo um talento ao longo de todos esses anos.
– Raça Humana: O ápice das minhas produções dos quatorze discos que produzi do Gil. “Vamos Fugir” está nele; é nossa primeira parceria. Foi gravada no Tuff Gong Studios na Jamaica ( estúdio de Bob Marley ). Tivemos a participação especialíssima dos Wailers, ainda com Carlton Barret na bateria e Aston Familyman Barret no baixo. Um momento indescrível. Gravamos coros no Record Plant em NY e finalizamos no nosso estúdio que tínhamos acabado de montar. Acabou sendo a música de trabalho.
– Selvagem / Paralamas do Sucesso: Um disco que mudou a cara do rock brasileiro. Paralamas amadureceu e mostrou raizes brasileiras. O disco foi um grande sucesso de execução e vendas. Consta em todas as listas de melhores discos de todos os tempos.
– Cabeça Dinossauro / Titãs: Foi o primeiro disco que deles que produzi. Nesse álbum a banda ficou muito mais pesada e ousada. Foi a primeira que usei guitarras distorcidas juntamente com baterias eletrônicas de uma forma mais intensa. No disco seguinte, Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, eu tinha passado um tempo em Londres, produzindo Sigue Sigue Sputnik, cujo engenheiro era Gary Langan. Langan tinha trabalhado com bandas consagradas como Art of Noise, Spandau Ballet e outras. Foi um belo aprendizado com os ingleses e meu nível de exigência subiu muito; isso se reflete nos discos posteriores. Disco presente em listas dos melhores.
– Oblesqblom; Eu já estava morando em LA, transitando pelos melhores estúdios e trabalhando com ótimos engenheiros. Demos um salto sonoro nesse disco. Herbert Viana na época falou: o que vamos fazer depois desse disco? Fizemos Os Grão dos Paralamas que acabou tendo uma qualidade sonora tão boa quanto.
-Tropicália II : Foi um convite de Gil e Caetano. Vim correndo de LA. Foi uma grande responsabilidade trabalhar com esses dois ícones da música brasileira. Tive a chance de ver como Caetano é bom em suas escolhas…Gil, eu já estava familiarizado com seu enorme talento. A música “Haiti” é a minha preferida. Esse disco é um dos mais importantes da minha carreira
– Da Lama ao Caos / Chico Science & Nação Zumbi: Um disco muito importante, por trazer uma estética totalmente nova. a mistura perfeita de Maracatú, Hip-hop e Rock. O NY Times fez uma bela matéria elogiando esse álbum . É pra mim também um dos trabalhos mais importantes. Consta sempre em lista de melhores discos.
– Rappa Mundi / O Rappa: Paulo Junqueiro ( diretor artístico da Warner na época ), me procurou dizendo que gostava muito dessa banda, mas eles estavam pela bola sete na gravadora ( o disco anterior não tinha ido bem ) e me pediu pra fazer tudo que fosse possível. Também gostei do som da banda. Pedi a eles que fizessem novas músicas e conseguimos que quatro músicas estourassem nas rádios. Disco de Ouro e Missão cumprida.
– Sob todas as forças / Cidade Negra: Outro desafio; a banda tinha acabado de trocar seu cantor. É um dos melhores discos de Reggae Brasileiro, enorme sucesso de vendas e execução
– Titãs Acústico: Uma seleção das melhores do repertório já gravado e mais algumas músicas novas. Sucesso de execução e um extraordinário sucesso de vendas 2 milhões. É considerado o melhor acústico da MTV. Curti muito e acabei indo pra estrada com eles.
– Ao Vivo em Ouro Preto MTV / Skank: sempre gostei da objetividade, eficiência e musicalidade deles. Ótimo disco, sucesso total
– Essa boneca tem manual / Vanessa da Mata: Contratei Vanessa para a SONY. Ela vinha de outro disco que havia sido bem recebido, mas com esse ficou conhecida nacionalmente. “Ai,ai,ai”, “Ainda bem” e “Música”, foram nossas parcerias.
– Eletracústico / Gilberto Gil CD / DVD: Grammy
– Hoje / Paralamas : Grammy
– Quinze / Jota Quest: Grammy 2011
– Acústico MTV / Arnaldo Antunes 2012: É sempre muito bom trabalhar com Arnaldo. Nesse disco temos uma parceria, “Ligado a você”
– Bebel Gilberto in Rio 2013: Adorei produzir, juntamente com Kassin, esse CD/ DVD. Bebel mostrou todo seu talento e DNA
– Segue o Som / Vanessa da Mata 2014: O mais recente de Vanessa, produzido juntamente com Kassin. Juntamos um time Lincoln Olivetti, Stephan San Juan, Kassin e eu. Vanessa saiu cantando e tudo foi resolvido no estúdio.
– Acústico gravado em NY CD / DVD / Capital inicial: Inédito, sai 2015
9 NOVOS NOMES
Produtor renomado, Liminha é bastante procurado por artistas em busca de um empurrão, apoio, palpite, o que for. Quando gosta do que ouve, embarca na proposta. Duas jovens cantoras com quem trabalhou recentemente foram a carioca Mariana Volker e a mineira Carla Gomes. Ambas você pode ouvir aí embaixo.
MARIANA VOLKER
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CARLA GOMES
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10 TOQUE DE MESTRE
O trabalho de produtor envolve uma quantidade absurda de detalhes. Às vezes, o menor deles faz toda a diferença. Foi o que aconteceu em Acima do Sol, sucesso inconfundível do Skank. Originalmente, no final da canção, Samuel Rosa fazia um improviso vocal, e terminava assim a música. “Eu falei: cara, isso é o maior chiclete de ouvido, vamos botar na frente, vamos abrir a música com isso”, diz Liminha. Samuel topou. O resultado foi aprovado, tanto que todo mundo canta junto J
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