Em um país que já não tem o hábito de ler qualquer coisa, nem mesmo romances, digamos, convencionais, publicar textos de peças teatrais soa como aventura quixotesca. Mas é isso que Isabel Diegues vem fazendo à frente da Cobogó. Desde a criação da editora, em 2008, já foram cerca de vinte títulos publicados, sempre fugindo dos cânones: a ideia é privilegiar o teatro contemporâneo, com ênfase em autores brasileiros (já foram lançadas peças de Pedro Brício, Daniela Pereira de Carvalho, Julia Spadaccini, Pedro Kosovski e Daniele Avila Small, entre outros). O mais recente trabalho da editora nessa seara foi a publicação de três peças encenadas pela Cia OmondÉ: Nem Mesmo Todo o Oceano, adaptação da obra de Alcione Araújo por Inez Viana, Os Mamutes e Infância, Tiros e Plumas, ambas de Jô Bilac.
O blog conversou com Isabel sobre a empreitada. Confira:
Como surgiu a ideia de publicar textos teatrais?
A ideia da coleção surge de uma vontade de pensar a escrita teatral em contraponto ao texto literário. Surgiram, nos últimos anos, diversos novos autores escrevendo para teatro, alguns deles apenas dramaturgos, mas outros eram também diretores e atores bastante potentes. Muitas dessas peças eram escritas ao longo dos ensaios, por autores que trabalhavam especificamente com companhias. E essas particularidades da escrita teatral muito me interessaram. Pensando num teatro carioca, no começo do projeto, assistindo às peças e conversando sobre essa força que surgia por aqui, deu vontade de pensar tantos modelos de escrita, tantos caminhos que o teatro vinha traçando. E, acima de tudo, pensar o papel do texto para as peças. Queria provocar a reflexão sobre algumas questões. O que faz um texto precisar da encenação ou prescindir dela? O que de uma peça já está no texto e o que é construído pelo encenador e pelos atores? O que pode e/ou deve ser transgredido quando o texto vira fala e ação? Como indicar os caminhos da encenação no texto? Que espaços existem de construção a partir do texto? E tantas outras ideias que dizem respeito a essa relação do texto com a encenação. Além de tudo isso, queria fazer essas peças circularem onde elas não chegam encenadas, queria poder levar um teatro contemporâneo pra dentro das escolas e universidades. E ampliar o estudo do teatro para além dos textos de Nelson Rodrigues, Shakespeare, Beckett, Brecht, Vianninha e outros poucos que são publicados no Brasil. Há uma imensidão de modos de se pensar e fazer teatro para além dos clássicos e do senso comum e circular esses textos é uma oportunidade de ampliar essas ideias.
Como tem sido a receptividade a essa linha de publicações?
Fizemos já vinte títulos de teatro e esses livros são festejados por todos que conhecem a coleção. Estão nas principais livrarias dos grandes centros, mas ainda não temos o hábito de ler teatro no Brasil. Bem, infelizmente não temos o hábito de ler de todo. Assim, o lugar em que esses livros circulam com mais potência é nas portas dos teatros, junto às peças e às companhias que os levam em temporada.
Como é feita a seleção de quais peças serão publicadas?
Hoje damos preferência à publicação de peças que estejam em cartaz ou prestes a estrear. Porque é nos teatros que os livros melhor circulam. Escolhemos as peças a partir de um conselho editorial da Cobogó, levando em conta a qualidade dos textos, e, como disse antes, a possibilidade da peça circular, levando consigo o livro. Também levamos em conta se a peça faz parte do repertório de uma companhia de teatro. O que faz com que a peça tenha uma vida longa.
Textos teatrais parecem ser de interesse apenas de um nicho bem específico. De que forma isso foi levado em conta na decisão de investir na publicação de peças?
A Cobogó publica livros sobre arte e cultura contemporâneas, nas áreas de artes visuais, música, teatro, cinema, etc. O teatro interessa a muita gente e acreditamos que deveria ser muito mais difundido. No Canadá, por exemplo, os textos de teatro são lidos em escolas para incentivar o gosto pela leitura. Por serem textos que podem ser lidos em grupo, tornam a experiência do coletivo mais um ingrediente no incentivo à formação de leitores. Aqui poderia acontecer o mesmo e certamente o número de jovens interessados em ler aumentaria e muito.
Como é a sua relação pessoal com o teatro? Você é uma espectadora assídua?
Tenho o maior interesse pela teatro. Vejo sempre que posso. Muito menos do que gostaria. Trabalho muito e acabo tendo pouco tempo pra tudo que gostaria de ver. E as peças hoje em dia ficam muito pouco tempo em cartaz. E adoro, em especial, ler teatro.