Listas de melhores do ano invariavelmente contabilizam números redondos – cinco, dez, vinte, cinquenta, cem… Subvertendo a tradição, o que se vai listar aqui são as quatro melhores peças encenadas no Rio em 2014. Sim, quatro. Não que inexistam outras boas montagens que pudessem compor uma lista mais robusta. Mas o critério aqui é objetivo: quais foram as peças que receberam cinco estrelas em VEJA RIO, a cotação máxima da revista? Vamos a elas, em ordem cronológica de estreia (confira as críticas publicadas na época clicando nos nomes):
Logo no início de 2014, a autora e diretora Christiane Jatahy brindou o público com este que talvez tenha sido o acontecimento teatral do ano. E o uso dessa expressão é deliberado. Não se entra aqui no mérito se foi a melhor peça da temporada. O que não se discute é a inventiva originalidade formal desta montagem livremente inspirada em As Três Irmãs, de Tchekhov. No palco, câmeras estáticas ou manipuladas por atores registravam imagens que eram montadas em tempo real por Christiane, dando origem a um longa exibido em outra sala, para outros espectadores (na compra do ingresso, optava-se por um programa ou outro). Peça e filme podiam ser apreciadas individualmente, mas conferir ambos era a única maneira de entender a engenhosidade do projeto em sua completude. Poderia ser experimental, mas aborrecido. No entanto, tamanho arrojo em nada diluía o caráter aliciante da montagem ou a potência das atuações de Julia Bernat, Stella Rabello e Isabel Teixeira. Quem não viu tem nova chance a partir de janeiro, quando a peça retorna.
Em maio, estreou esta irretocável montagem do Grupo 3 de Teatro para o texto do britânico Mike Bartlett. Integrantes da trupe, Débora Falabella e Yara de Novaes viviam respectivamente uma jovem recém-admitida em uma empresa e sua gerente. O enredo é de uma simplicidade enganosa: trata-se, resumidamente, de uma sucessão de reuniões em que a chefe alerta a funcionária para uma cláusula presente em seu contrato de trabalho, segundo a qual todo relacionamento sentimental ou sexual com um empregado da firma deve ser avisado aos superiores. Inicialmente, parece um aviso de praxe, mas a dinâmica entre as duas se estabelece em um crescendo cada vez mais absurdo, no qual a moça vai se animalizando – literalmente. Integrante do grupo Espanca!, um dos mais ousados da cena teatral brasileira, Grace Passô foi convidada a dirigir o espetáculo, e conseguiu imprimir sua marca sem solapar o texto ou a estupenda dinâmica entre as duas atrizes.
Um dos melhores autores de sua geração, Jô Bilac confirmou, uma vez mais, seu enorme talento com esse texto, feito sob medida para Marco Nanini. O ator vivia Bala (Marco Nanini), escritor com adoração pela obra de Oscar Wilde, preso por ter quebrado a proteção que envolvia a sepultura de seu herói. Ao redor dele gravitam três personagens: Tommy (Paulo Verlings), seu carcereiro, Roberta (Carolina Pismel), sua advogada, e Ingrid (Júlia Marini), sua filha. Pontuado por citações de Wilde, o texto vai deixando vislumbrar uma reflexão sobre a amplitude das situações de impedimento e proibição que podem perpassar a vida de alguém – a rigor, Bala é o único encarcerado, mas parece conseguir se projetar para além de suas barreiras. Destaque ainda para a lindíssima cenografia de Daniela Thomas, dominada por um cubo envidraçado, a cela de Bala, uma referência à blindagem de vidro real instalada em volta do túmulo de Wilde no cemitério de Père-Lachaise, em Paris. Atenção: a peça volta no ano que vem.
Absolutamente sublimes, Andréa Beltrão, Mariana Lima e Malu Galli estão em cena nesta montagem, uma criação coletiva do diretor Marcio Abreu e de Patrick Pessoa, com colaboração do elenco e de Newton Moreno. O fio condutor é a relação entre três amigas muito próximas, surpreendidas pela morte repentina de uma quarta. Os desdobramentos do luto estão em cena, porém mais como mote narrativo, ao qual vão se integrando, na falta de expressão melhor, fragmentos de teatralidade. Em dado momento, as atrizes parecem estar falando de si mesmas. Há quebras de quarta parede, em que as moças se dirigem à plateia. E, claro, há os números musicais – Donna Summer, Maria Bethânia, The Cure, Tom Jobim, Nirvana e Michael Jackson marcam presença. Em meio a tudo isso, emerge uma reflexão sobre a transitoriedade. Parece complicado? Pois tudo dá maravilhosamente certo. Se duvida, a peça ainda está em cartaz até o dia 21, no Teatro Poeira, para onde volta em janeiro.