Ato e Efeito: a efemeridade do teatro na solidez do vídeo
Eu não me lembro exatamente quando ou como foi a primeira conversa que tive com o meu amigo Fernando Neumayer sobre o que poderia resultar em um projeto em parceria. Seguramente, como sempre acontece nesses casos, não foi uma conversa apenas sobre isso, mas aquela troca de ideias meio soltas, em uma mesa de bar […]
Eu não me lembro exatamente quando ou como foi a primeira conversa que tive com o meu amigo Fernando Neumayer sobre o que poderia resultar em um projeto em parceria. Seguramente, como sempre acontece nesses casos, não foi uma conversa apenas sobre isso, mas aquela troca de ideias meio soltas, em uma mesa de bar ou em uma festa de aniversário, na qual um diz “poxa, e se a gente…” e o outro responde “é, pode ser legal…”, e tudo parece que vai permanecer como um daqueles planos que tinham tudo para vingar mas que jamais saíram da cabeça.
Pois, a cada encontro, aquelas ideias difusas iam tomando corpo. Havia uma dinâmica clara movendo o processo: cada um tinha algo a oferecer e o outro queria esse algo. Eu conhecia um tanto a área teatral carioca e desejava criar um projeto nessa seara (que se tornou, para mim, uma verdadeira paixão), mas não exatamente uma peça. E o Fernando já estava muito envolvido com audiovisual, produzindo belos clipes para o Tocavideos, produtora dele com o Luís Martino, mas desejava dar um salto para além da música, que era a especialidade da dupla.
Assim, foi natural que o Luís, desde o primeiro momento, quando talvez ele mesmo nem soubesse daquelas conversas jogadas fora, fosse uma certeza no projeto caso ele saísse do papel. Eu o conhecia vagamente através do próprio Fernando, pois eles já eram amigos há anos. Apesar da pouca convivência à época, era possível antever um sujeito boa-praça, com quem seria divertido trabalhar. Sem falar na experiência que ele já tinha de filmmaker e no entrosamento profissional entre ele e o Fernando, visível nos clipes que os dois produziam. Era meio caminho andado.
A partir do primeiro encontro entre nós três, as coisas foram se delineando. Condensamos o que já era o núcleo do projeto: resumidamente, vídeos de atores e atrizes recitando trechos de peças de teatro, mais especificamente falas de um personagem. Os convidados não interpretariam como se estivessem em uma montagem. Não nos interessava filmar peças — o que fatalmente significaria pervertê-las. Em vez disso, os convidados estariam vestidos com suas próprias roupas, sem o apoio de recursos cenográficos. E, talvez o mais interessante, teriam o texto em mãos para entregar algo como uma leitura dramatizada.
Mais rapidamente do que eu poderia imaginar — mas não sem as faíscas oriundas de discordâncias pontuais, presumíveis quando há três autores envolvidos –, o projeto foi se desenhando diante dos nossos olhos. Em certa medida, tudo era novo para nós. De modo que, apesar da experiência prévia de cada um em sua área e embora nós tivéssemos algumas ideias delineadas, fomos descobrindo como fazer enquanto fazíamos. E, ao longo do processo, descobrindo certas camadas do projeto que talvez não houvéssemos vislumbrado plenamente no início. Foi bonito.
Falo por mim, especificamente. Foi um deleite pensar no elenco ideal para uma primeira temporada, entrar em contato com cada um dos convidados, explicar a ideia e só ter adesões. Foi um prazer e, mais do que isso, uma honra absurda brincar de dirigir gente que eu só admirava vendo da plateia. Foi uma delícia ouvir textos tão bons sendo lidos-recitados-interpretados praticamente sem recursos cênicos. Foi um regozijo testemunhar, a cada take filmado, as múltiplas nuances que um bom ator (e só tínhamos bons atores no elenco) pode empregar na interpretação.
E assim nasceu o Ato e Efeito, projeto que lançamos no último fim de semana dentro da programação do TEMPO_FESTIVAL, um dos mais importantes eventos teatrais do país. Exibimos todos os sete vídeos da primeira temporada: Amanda Mirasci interpretou o transexual B, protagonista do drama Uma Vida Boa, de Rafael Primot; Charles Fricks, fez o pai angustiado de O Filho Eterno, adaptação da obra homônima de Cristovão Tezza; Debora Lamm deu vida a Isadora Faca no Peito, da tragicomédia Os Mamutes, de Jô Bilac; Gregorio Duvivier encarnou o dramaturgo sem ideias de Uma Noite na Lua, de João Falcão; Gustavo Gasparani reviveu o personagem-título de Ricardo III, de William Shakespeare; Leonardo Netto deu emprestou voz à professora Edilamar, de Conselho de Classe, também de Jô Bilac; e Michel Blois entrou na pele do problemático Isaac, de Adorável Garoto, de Nicky Silver.
Se você chegou até aqui, imagino que esteja curioso para ver os vídeos. Pois eles estão todos disponíveis AQUI. Confere lá. E que o efeito desses pequenos atos seja intenso.