Dando sequência à série de perfis que já escrevi (iniciada com o Jacaré), segue um texto publicado na Veja Rio em julho de 2011, com o multitalentoso Pedro Brício. O texto completo está aí embaixo, e a matéria no site, com fotos e quadros, você lê aqui.
Talento múltiplo
Autor, ator e diretor, Pedro Brício une qualidade e quantidade em seu trabalho
As últimas semanas retratam com fidelidade a envergadura profissional do dramaturgo, diretor e ator carioca Pedro Brício, 38 anos. Nas manhãs de segunda a sexta, ele comparece aos ensaios de O Menino que Vendia Palavras, adaptação que fez para o teatro do livro infantil de Ignácio de Loyola Brandão, com estreia prevista para o próximo mês. À noite, como autor e diretor, bate ponto em uma sala na Glória para cuidar dos ajustes finais de Trabalhos de Amores Quase Perdidos, com chegada aos palcos anunciada também para agosto. As duas tarefas já seriam suficientes para preencher completamente a cabeça de qualquer um, mas não no caso dele. Sua agenda contempla ainda intervalos para que possa se dedicar a escrever. Está prestes a pôr um ponto final em Breu, cuja trama aborda o encontro de duas mulheres em uma noite no Rio dos anos 70, e há pouco concluiu Eu É um Outro, texto baseado no universo do poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891). Desbravando uma nova área de atuação, ele está no filme A Falta que Nos Move, uma versão para a tela da peça dirigida por Christiane Jatahy que ficou em cartaz de 2005 a 2009. “Gosto de ser múltiplo, pois uma atividade alimenta a outra”, diz. “Mas adoraria ter mais tempo para mim.”
Ralar no ofício não encerra em si uma virtude, pois o profissional pode produzir muito e mal. O que faz a diferença na trajetória de Brício é que seus trabalhos são sempre aguardados com grande expectativa. Tem sido assim desde que, em 2006 e ainda noviço no ramo, faturou o Prêmio Shell de melhor autor com a peça A Incrível Confeitaria do Sr. Pellica. Suas montagens, apesar de ter nomes um tanto desconexos — que tal Cine-Teatro Limite? —, situam-se num terreno seguro entre o teatrão clássico e as experimentações radicais. Elas costumam ser perfeitamente inteligíveis. A Incrível Confeitaria, por exemplo, é uma peça de época cujo protagonista é um doceiro falido em busca de sua redenção financeira. O toque nada convencional do espetáculo se dava pela participação de um contrarregra em cena. Já Cine-Teatro Limite é uma comédia dramática passada no Rio durante a vigência do Estado Novo, que alterna momentos de grande densidade com outros de chanchada descarada. A alquimia de linguagens, por sinal, é algo marcante em suas encenações.
Muito conhecido no meio artístico, nas ruas, ao contrário, Pedro Brício já se habituou a ouvir a frase “Seu rosto não me é estranho”. Provavelmente, a familiaridade é resquício de sua época como ator de TV. Durante catorze anos, ele participou de seriados e novelas, a última delas foi Beleza Pura, em 2008. Ao menos por enquanto, um retorno à telinha não está em seu radar. “O trabalho na televisão tem um clima que pode ser meio impessoal”, ameniza na crítica. “Já o teatro é aquela ação entre amigos.” De fato, Brício é um artista de índole gregária, do tipo que adora repetir as parcerias. Com Isabel Cavalcanti, fundou em 2003 a Zeppelin Cia, e desde então eles enfileiram trabalhos juntos. Outros companheiros de fé são a diretora Cristina Moura, o iluminador Tomás Ribas e o ator Celso André, seu amigo de adolescência, quando se conheceram em um grupo de teatro amador chamado Troglô.
Filho de um promotor público e uma produtora, Brício foi fisgado pelas artes cênicas nas aulas de teatro no Colégio de São Bento e, depois, no Andrews. Aos 13 anos, ingressou no Tablado e encenou sua primeira peça profissional, tendo como companheira de elenco a professora Guida Vianna. Na hora de optar por uma faculdade, porém, surpreendentemente escolheu cinema. “Sempre tive esse fascínio, e estudar teoria cinematográfica me ajudou a dirigir teatro”, afirma. Em nova guinada, trancou a matrícula e foi para Londres fazer um curso de teatro enquanto ganhava a vida como lanterninha e bartender. De volta ao Brasil, em 1994, penou oito anos até concluir a graduação. “Só foi mais difícil que parar de fumar”, diz ele, que mora há seis meses com a mulher, a atriz Branca Messina, e dois gatos em um apartamento no Jardim Botânico. Em seu cada vez mais minguado tempo livre, gosta de caminhar na Lagoa, de ir a restaurante, teatro e cinema, ou ficar à toa em casa, lendo ou cozinhando. Os compromissos profissionais, entretanto, sempre predominam. “Para trabalhar com ele, tive de entrar na fila”, conta a atriz Guida Vianna, que será dirigida por Brício em A Peça do Casamento. Mas só no ano que vem, quando, pelo jeito, sua agenda continuará no mesmo ritmo.