Com o fim de ano se aproximando e praticamente todas as peças encerrando suas temporadas daqui a uma semana, chega aquele momento propício para relembrar o que de bom aconteceu no circuito teatral nos últimos doze meses. Antes que os leitores me apedrejem, devo ressaltar que não se trata exatamente de uma lista dos melhores, muito menos de uma lista em ordem de preferência, mas de uma espécie de retrospectiva enxugada do ano. Como a ideia é falar de coisa boa, tomei por base, primordialmente, as resenhas publicadas em VEJA RIO desde janeiro na coluna Veja Rio Recomenda, além de uma ou outra matéria de destaque (clique nos nomes das peças para ler o que escrevi sobre as mesmas na época). Esta é a primeira parte — a segunda fica para a semana que vem. Vamos lá?
EDIÇÃO DE 30/1: O ano começou com O Médico e o Monstro (acima), deliciosa comédia adaptada do clássico do suspense de Robert Louis Stevenson, que ocupou o Teatro Café Pequeno. Dirigida por Cesar Augusto, a montagem era derivada da encenação criada pela companhia Teatro do Ridículo, do americano Charles Ludlam, o mesmo de O Mistério de Irma Vap — o que significava atuações carregadas, escracho assumido, situações nonsense, alguma música e um toque burlesco. Bruce Gomlevsky, ótimo como sempre, interpretava o doutor Jekyll e o senhor Hyde.
EDIÇÃO DE 13/2: Sucesso na temporada do Teatro Maison de France, A Arte da Comédia do italiano Eduardo de Filippo, em montagem dirigida por Sergio Módena rendeu duas indicações ao Prêmio Shell e ao Prêmio Cesgranrio, ambas para os mesmos atores: Ricardo Blat e Thelmo Fernandes. O primeiro interpretava o líder de uma companhia teatral em situação difícil depois que um incêndio destruiu sua sede, enquanto o outro vivia o recém-empossado prefeito, a quem a trupe pedia ajuda.
EDIÇÃO DE 20/2: Uma das mais destacadas representantes do teatro de animação no país, a companhia gaúcha A Caixa do Elefante levou ao CCBB um lindo espetáculo, que infelizmente não teve a devida repercussão: A Tecelã. Foi a primeira investida da trupe em uma montagem para adultos, depois de duas décadas de trabalho voltado para o público infantil. Paulo Balardim dirigiu Carolina Garcia, a solitária tecelã em busca de um amor, cuja história era contada com técnicas de ilusionismo em cena.
EDIÇÃO DE 27/2: O drama Edukators (acima), que ocupou o Oi Futuro Flamengo, foi uma montagem do filme cult do austríaco Hans Weingartner. Pablo Sanábio e Fabrício Belsoff viveram os dois jovens rebeldes que, para protestar contra o atual estado de coisas da sociedade, invade mansões, mas não rouba nada, apenas troca os móveis de lugar e deixa mensagens para o morador. A direção de João Fonseca ecoou o espírito revolucionário da história, com uma expansão da cena para além dos limites do palco. Destaque para a trilha de Rodrigo Penna.
EDIÇÃO DE 6/3: Clássico dos clássicos shakespearianos, Hamlet passou pelo Teatro Tom Jobim em montagem protagonizada por Thiago Lacerda — e o galã global fez bonito, com segurança e enorme presença cênica. Diretor associado da inglesa Royal Shakespeare Company, o brasileiro Ron Daniels, um dos maiores especialistas no bardo inglês, conduziu a encenação e dividiu a tradução com Marcos Daud, apostando em uma linguagem mais acessível, mas mantendo o respeito à tradição do texto.
EDIÇÃO DE 13/3: Se tem uma peça que, na minha opinião, passou injustamente despercebida neste ano, foi esta montagem de Ah, a Humanidade! E Outras Boas Intenções (acima), comédia dramática de Will Eno, levada à cena pelo ator Guilherme Weber e o diretor Murilo Hauser (ambos da Sutil Companhia de Teatro, responsável por outras encenações do autor). Cinco textos compunham a peça encenada no Teatro Laura Alvim — cada um, à sua maneira, meio absurdo, evocando a questão da resistência diante da perda, representada em um lindíssimo cenário.
EDIÇÃO DE 20/3: Charles Möeller e Claudio Botelho acertaram mais uma vez nessa recriação de Como Vencer na Vida sem Fazer Força, clássico da Broadway encenado pela primeira vez em 1961. Com músicas de Frank Loesser e texto de Abe Burrows, Jack Weinstock e Willie Gilbert, o espetáculo era uma afiada sátira à cultura corporativa. Gregorio Duvivier, estreando em musicais, fez ótima dobradinha com Luiz Fernando Guimarães, e mostrou não apenas seu conhecido talento cômico como afinação vocal. Gottsha e Adriana Garambone arrasaram.
EDIÇÃO DE 8/5: O Tempo e os Conways, drama clássico do inglês J.B. Priestley, ganhou excelente montagem no Sesc Casa da Gávea, dirigida por Vera Fajardo e estrelada por sua filha, Júlia Fajardo. Um ótimo texto, um um elenco coeso (formado, diga-se, em sua maioria por jovens e desconhecidos atores), extrema correção nos figurinos e cenário e uma direção respeitosa ao cânone, sem invencionices. Resultado: uma peça de quase duas horas, coisa que normalmente afugenta o público, ganhou, merecidamente, sucessivas prorrogações.
EDIÇÃO de 15/5: Autora prolífica, Julia Spadaccini levou ao Teatro Gláucio Gill o drama Aos Domingos (acima), seu décimo-sétimo texto — e o segundo de sua carreira indicado ao Prêmio Shell (o terceiro foi logo em seguida: A Porta da Frente, que também estreou em 2013, colocando Julia para concorrer com ela mesma). Bruce Gomlevsky dirigiu com sensibilidade a montagem, que contou a história de dois irmãos (Juliana Teixeira e Jorge Caetano) que se reencontram após seis anos de afastamento.
EDIÇÃO DE 5/6: Vinda de São Paulo, fez sucesso também por aqui a montagem de Jorge Takla para Vermelho (nota: a peça não foi resenhada no Veja Rio Recomenda, mas destacada na matéria de capa 30 Ótimas Razões para Ir ao Teatro). Escrito pelo americano John Logan, o drama trouxe Antonio Fagundes, soberbo, na pele do pinto Mark Rothko, um dos maiores nomes do expressionismo abstrato. Filho do ator na vida real, Bruno Fagundes viveu um pupilo de Rothko. Em cena, estabelece-se um duelo geracional que fala, sim, sobre arte, mas também sobre relações humanas.
EDIÇÃO DE 19/6: Bruno Mazzeo derrubou quaisquer preconceitos que alguém pudesse ter sobre seu trabalho com uma excelente atuação no monólogo cômico Sexo, Drogas e Rock’n’Roll (acima). Sucesso no circuito off-Broadway, onde foi montado pela primeira vez em 1990, o texto do americano Eric Bogosian é uma compilação de seis esquetes, todos de alguma forma versando sobre a incessante busca pelo excesso que move o nosso tempo. Dirigido por Victor Garcia Peralta, Mazzeo passa longe da caricatura e dá um show.