Convidados por VEJA RIO para um papo sobre sua carreiras e comédia via Facebook, Fábio Porchat, Marcos Veras e Gabriel Louchard não economizaram. Nesta segunda parte da conversa (confira a primeira aqui), eles falam sobre renovação dos textos, diferença entre os públicos e preconceito da crítica.
MARCOS VERAS: Porchat, alguns textos do Fora do Normal você já fazia na época do Comédia em Pé (grupo pioneiro da comédia em pé no Brasil, que Porchat integrou). O público que te assiste lembra disso? Cobra renovação? Te pergunto isso porque eu sinto que tem textos que faço há cinco anos e até hoje funcionam e bem.
FÁBIO PORCHAT: Eu não vejo nenhum problema no fato de o meu show não mudar. Ninguém vai assistir a Romeu e Julieta duas vezes para ver se na segunda eles ficam juntos. As pessoas querem ver a piada que elas já conhecem. Elas levaram amigos pra ver aquela piada.
GABRIEL LOUCHARD: Eu sou um novato no stand-up, e desde que comecei a fazer vejo o Porchat e o Veras como destaques. Sempre escutei que stand-up está na moda, que é febre momentânea, que vai passar. O que vocês acham disso?
FÁBIO PORCHAT: Acho que o stand-up pegou mais em São Paulo porque lá é em barzinho. Aqui não rolou em bar, só em teatro. O stand-up se consolidou como gênero no Brasil todo, isso foi o mais importante. A gente não precisa mais explicar para as pessoas o que é.
MARCOS VERAS: Acho que houve um boom do stand-up. Muita gente fez por conta da moda e outros continuaram, montaram seus grupos, que estão cada vez mais escassos, outros montaram seus solos. Mas o fato é que o stand-up se firmou no mercado como opção de teatro, de humor. Nem todos se firmaram. Os bons que fazem stand-up, todos são atores, talvez aí esteja uma explicação de quem continua até hoje.
VEJA RIO: Lá atrás, falamos de piadas sobre o Acre. Algum de vocês já teve algum problema com alguém da plateia por conta de uma piada? Alguma vaia, algum protesto?
FÁBIO PORCHAT: Nunca durante o show aconteceu nada nesse sentido.
GABRIEL LOUCHARD: É verdade, Porchat, hoje as pessoas não falam mais “vou assistir a um show de comédia”, dizem “vou assistir um stand-up”.
Sobre a pergunta, como o meu show é interativo, sempre conto com ajuda da platéia em dois números, mas não para fazer piada delas, e sim junto com elas. São minhas parceiras por um instante, pois quando mesclo humor com a mágica, a ajuda da platéia se torna fundamental. Neste tempo todo nunca tive reclamações ou problemas. Posso dizer que passei por umas situações diferentes. Uma vez, chamei ao palco um cara que estava com uma cara de doido para ajudar. Dá para ver pela cara a pessoa que não tem vergonha de brincar ou até de subir no palco, ela te encara no olho, não disfarça nem olha para baixo, tipo fingindo admirar o carpete da sala do teatro, como os tímidos fazem. Quando chamei, ele foi de primeira, mas ele era mudo, só fiquei sabendo já no palco, mas o número rolou superdescolado, e a caravana que foi com ele ia me ajudando, respondendo quando eu perguntava alguma coisa a ele. E uma vez subiu ao palco uma mulher que estava bêbada, cambaleando mesmo. Ela estava com duas amigas que disseram que beberam bem num bar antes da peça. Deu um pouco de trabalho, mas foi divertido.
MARCOS VERAS: Nunca fui vaiado ou perseguido por conta de uma piada.
VEJA RIO: Vocês já fizeram stand-up em horários diferentes e teatros em diferentes zonas da cidade, e até fora da cidade. Vocês sentem diferença entre os públicos?
FÁBIO PORCHAT: A diferença de público existe de uma sessão para a outra, que dirá de uma cidade pra outra. Mas não importa quem seja o público, todos riem nas mesmas piadas e nos mesmos momentos.
GABRIEL LOUCHARD: A maior diferença é na idade média da platéia. Às 23h, vão poucos idosos, a plateia é mais jovem. Agora, quanto à reação às piadas, não vejo muita diferença. A grande diferença que sinto é fora do Rrio, em outros estados. Acabei de chegar de Manaus, muitas piadas que fazem muito sucesso aqui, não fizeram tanto lá, mas em outras reação lá foi muito melhor.
MARCOS VERAS: Considero o meu show muito neutro nesse sentido. É claro que há uma diferença, às vezes, pequena de uma plateia para outra, mas no geral a receptividade é sempre boa. O riso contagia, então, com a casa cheia tudo vai funcionar mais. No Leblon, já faço há quatro anos e alguns amigos comediantes ficam meio desconfiados de se apresentarem ali por acharem um público mais elitista, mas eu nunca tive problema com isso. Talvez em cidades que não têm uma vida cultural tão agitada, quando chegamos a receptividade é em dobro. Já fiz Leblon, Niterói, e até Estados Unidos, para onde, aliás, me apresento em outubro deste ano pela segunda vez por lá.
VEJA RIO: Agora eu vou me colocar, como crítico de teatro, um pouco na fogueira: vocês acham que existe um preconceito da crítica com o stand-up, como se fosse um teatro menor? Vocês tiveram dificuldade de serem assistidos, demorou até que algum crítico fosse ver vocês?
FÁBIO PORCHAT: Acho que existe um preconceito, sim. Da classe artística, inclusive. Sendo que essas pessoas nunca foram a um show de stand-up. Eu decoro um texto, subo num palco, me apresento diante de uma plateia, tenho que fazer o mesmo texto toda noite como se estivesse dizendo pela primeira vez… Se isso não é teatro, eu não sei mais o que é.
MARCOS VERAS: Há preconceito, sim, os críticos não vão ao stand-up. Você, Rafael, foi o primeiro de um veículo de grande expressão em cinco anos de Falando a Veras que foi assistir e fez crítica. A classe também se acha superior quando monta uma peça com cenários, figurinos, e que muitas vezes pode ser um fiasco, ficar dois meses em cartaz. Já vi peças de teatro que não tinham cenário. É isso que acontece com o stand-up. Tem um ator, texto e, principalmente, público. Qual o objetivo do teatro? Fazer pensar, provocar, chorar, rir. Nós fazemos rir e ponto.
GABRIEL LOUCHARD: Eu concordo, acho que há, sim, preconceito, uma impressão de que stand-up não é teatro, mas por que não? Porque não tem cenário, trabalho de iluminação? Muitos já tem, sim, outros não, agora o que importa realmente é que temos um ator/comediante no palco, que domina inteiramente a plateia com os casos que comenta e as histórias que conta. Realmente, a crítica não costuma ir em stand-up, acho engraçado. Meu irmão (o ator Gustavo Rodrigues) está em cartaz com Billdog, um monólogo sensacional onde interpreta vários personagens, sem apoio de figurinos nem cenários, e a crítica sobre a peça foi fantástica. Ele ganhou prêmio de melhor ator, realmente merecido, belo trabalho, mas não entendo por que os stand-ups não são assistidos pela crítica. Outro monólogo fantástico, Os Ignorantes, onde o Pedro Cardoso contava uma história para plateia, interpretando os personagens, era incrível!!! Mas não vejo uma distância grande entre estes tipos de monólogos e um stand-up.
VEJA RIO: Uma pergunta um pouco mais complexa: como avaliar um espetáculo que prescinde de cenário, figurinos e outros elementos que têm que estar presentes em uma peça “normal”? Como comparar um stand-up com uma peça como Atreva-se, em que o Veras atua, por exemplo?
FÁBIO PORCHAT: Como avaliar um monólogo? Interpretação do ator e texto. Se ele esta vestido de Bozo ou nu, é a mesma coisa. Enquanto tiver público eu tô feliz. Domingos Oliveira me disse um dia: não dê para a plateia o que ela quer, dê o que você quiser dar. Não podemos ficar reféns da plateia, ela é que veio nos ver no teatro.
VEJA RIO: O mais difícil, às vezes, não é avaliar, mas comparar um stand-up com uma peça grande e dizer qual é melhor.
FÁBIO PORCHAT: Como comparar Rock in Rio — O Musical (superprodução com dezenas de atores, músicos, figurinos e cenários) com A Alma Imoral (monólogo intimista com a atriz Clarice Niskier)? Acho que o grau de entretenimento atingido, a qualidade da entrega do ator, o domínio que a pessoa tem sobre aquele produto, tudo isso é igual pra todo mundo. Mas eu entendo que é dificil avaliar, e que você foi o primeiro a colocar tudo no mesmo saco. Se arriscou, até.
MARCOS VERAS: Eu, que estou no momento fazendo dois espetáculos diferentes, sinto isso na pele. As pessoas que me conhecem do Falando a Veras quando vão ver Atreva-se (comédia “convencional”, com cenários, na qual Veras divide o palco com outros atores) ficam às vezes decepcionadas, porque ali eu faço outro tipo de humor, outro tipo de interpretação. E algumas pessoas pensam “ué, ele não vai imitar ninguém? Não vai cantar? ” O humor do Atreva-se não é um humor entregue de bandeja como é o humor de stand-up, onde a cada tringa segundos você pode ter uma piada.
GABRIEL LOUCHARD: No meu caso, sofri preconceito do público, no início, mas não por fazer stand-up, que é um gênero querido da plateia, mas pelo fato do show ter mágica. As pessoas imaginavam de cara aquela coisa cafona do mágico antigo, ou achavam que era algo infantil. Não imaginavam que poderia dar certo juntando com um gênero de estilo moderno, jovem, como é o stand-up. Mas com o tempo de peça e o boca-a-boca consegui reverter o jogo.