Desde que interpretou Moreira da Silva no musical Geraldo Pereira – Um Escurinho Brasileiro, em 2004, Edio Nunes quis realizar um projeto em homenagem ao sambista. Desejo realizado, o espetáculo Kid Morengueira- Olha o Breque! estreia sexta (3), no Sesc Tijuca. A direção ficou por conta de um expert: é o segundo monólogo musical que Sergio Módena dirige este ano. Elogiado pelo trabalho desenvolvido com Carol Fazu em Janis, solo que misturava ficção e realidade para abordar vida e obra de Janis Joplin, ele agora assume a batuta do texto de Ana Velloso e Andreia Fernandes.
A convite do blog, Módena escreveu um texto sobre os dois trabalhos. Confira:
A ideia de monólogo musical
Esse ano eu tive a oportunidade de dirigir dois espetáculos que se encaixam no formato monólogo musical. Um deles, Janis, sobre a cantora Janis Joplin, que estreou em maio, no Oi Futuro Flamengo, tendo Carol Fazu como protagonista, acompanhada por uma banda de cinco músicos. O outro, Kid Morengueira- Olha o Breque!, sobre o incrível sambista Moreira da Silva, com Edio Nunes no elenco e mais três músicos, que estreia no início de novembro, no Sesc Tijuca.
Esses dois projetos possuem curiosas semelhanças e, claro, inevitáveis diferenças. Ambos trazem para o palco uma figura emblemática da cena musical, Janis e Moreira, mas não se propõem a ser um espetáculo biográfico. Não há nestas peças a intenção de se construir uma narrativa factual que abrace todo o período das vidas dos artistas retratados. Elas são muito mais um encontro com a personalidade e o universo artístico de cada um. É essa a proposta dramatúrgica de Diogo Liberano, que nos convida a participar de um show de Janis, ela no presente, refletindo sobre sua própria existência. E também é essa mesma a proposta das autoras Ana Velloso e Andreia Fernandes na construção do texto de Kid Morengueira (foto abaixo). Nele vemos a evocação de um show de samba, com Moreira no tempo presente revendo sua trajetória apaixonante.
É interessante ver que esses dois monólogos musicais façam esse diálogo entre passado e presente através de uma licença poética que dá voz a um artista já falecido nos dias de hoje. Há nesse procedimento uma enorme liberdade dramatúrgica, pois ele possibilita a reflexão distanciada dos acontecimentos e a edição sempre criativa da memória dos protagonistas.
Porém, Kid Morengueira se aproxima ainda mais da estrutura de um show. Com uma vida menos intensa que a de Janis (mas nem por isso menos fascinante), o personagem costura suas canções com pequenas pílulas sobre sua vida do mesmo modo que um cantor conta “causos” em um show. O texto falado, neste caso, é muito mais um mecanismo de transição (com toda a criatividade de estilo) entre uma canção e outra. Enquanto “Janis” se utiliza diversas vezes da ação dramática, em “Kid Morengueira” é a informalidade da narrativa quem dá as caras.
E talvez por causa dessas escolhas é possível percebermos em ambos os textos um flerte entre o musical e o show de música, ideia que me atrai bastante. Pois quando deixamos de lado nossa ânsia classificatória, podemos vivenciar um espetáculo que ora é show, ora teatro, mas também ambos. A peça vai nos provocar exatamente por sua dubiedade na forma. Por que não?
Mas o mais importante é que vejo em Janis (foto abaixo) e Kid Morengueira tentativas inspiradas dos autores por novos formatos dramatúrgicos. Afinal, o musical brasileiro ainda tem muito a descobrir em termos de dramaturgia. Que venham muitos outros caminhos para que tenhamos uma produção de musicais brasileiros variada, complexa e rica. O público agradece.