Existem mulheres de todos os tipos. As que gostam de joias, as viciadas em sapatos, as loucas por bolsas, as que não sossegam enquanto não lotam o armário de vestidos. Eu sou diferente. O que me enlouquece mesmo é um bom e bonito par de óculos. Sou capaz de chorar quando encontro um que se encaixa perfeitamente em meu rosto. Ok, choro é exagero, mas me emociono. Ok, isso também é exagero, admiro óculos e ponto final. Tenho mais de 50 pares de óculos escuros, todos lindos.
Também existem pessoas que sofrem com vários tipos de TOC, o tão falado Transtorno Obsessivo Compulsivo. Há as que precisam ligar e desligar a luz várias vezes antes de dormir, as que sentem necessidade de checar se as portas estão trancadas repetidamente, as que não usam determinada cor nem sob tortura, e assim por diante.
O meu TOC é limpar óculos (escuros ou de grau, não importa). Limpo tão perfeitamente que não sobra pedra sobre pedra, nem um sinal de gordura, de dedo ou de poeira. Morro de orgulho da minha capacidade de limpar lentes. Devo ser uma das melhores do mundo nessa arte. Sim, porque é uma arte. Limpo devidamente, com o paninho apropriado, nada de esticar a camisa ou puxar a toalha da mesa, isso é um pecado. Quando dá tempo para lavar com água e sabonete neutro, então (álcool jamais! Danifica as lentes. Fica a dica)… aí é que fico feliz, rindo de orelha a orelha.
O problema é que não sou paranoica apenas com os meus óculos. Pelo contrário, os meus estão sempre limpíssimos, um primor. O problema são os dos outros. Quando estou com alguém cujos óculos estão com as lentes embaçadas, não importa quem é esse alguém, o meu cérebro, angustiado, não registra nada do que está sendo dito, apenas berra em looping: limpa, Thalita! Limpa, Thalita! Limpa, Thalitaaa!!!!! Assim mesmo, com várias vogais e exclamações.
Quando o cérebro berra e a pessoa que está na minha frente é amigo, ou até amigo de amigo, tudo bem. Peço pra limpar e fico aliviada depois da minha boa ação. A coisa piora mesmo quando o dono dos óculos sujos não tem intimidade comigo ou é simplesmente um ilustre desconhecido. Como no dia em que, depois de muito pensar, a angústia falou mais alto. Passei por cima da vergonha e do bom senso e pedi para limpar os óculos de um motorista de táxi, os mais embaçados que vi na vida. Rápida e eficiente, comecei o trabalho assim que o sinal fechou e consegui devolvê-los antes de ele abrir. E antes que o taxista agradecesse, disse, orgulhosa:
– De nada.
Confesso que minha obsessão não é recente. Implorei para dar uma geral nos óculos do meu primeiro chefe, quando ainda era estagiária. Quase perdi o estágio ali mesmo por não ter capacidade de focar no que estava sendo dito na reunião de pauta. Lembro também que quase fui expulsa num dia de vestibular, quando pedi para dar uma geral nos óculos de um desconhecido sentado ao meu lado durante a prova — acharam que eu queria colar.
Mais recentemente já perdi as contas de quantas vezes limpei os óculos dos três atores que interpretam os Slavabody Disco Disco Boys no musical “Tudo por um pop star“, antes de eles entrarem em cena. Se eu não fizesse isso não conseguiria acompanhar o espetáculo, ficaria apenas pensando “óculos, óculos, óculos”. Sem contar o meu marido e o meu empresário, cujos óculos de leitura estão sempre presos à camisa e lotados de impressões digitais por todos os lados. Ah! Leitores também não escapam. Interrompo qualquer tarde de autógrafos quando vejo uma lente suja e resolvo o assunto ali mesmo.
Portanto, se um dia você estiver conversando comigo e notar que estou olhando fixamente para você sem falar nada, a boca meio aberta, a respiração irregular, só há uma solução. Para facilitar a minha vida e acabar com a minha angústia, tire os seus óculos e me deixe limpá-los.
Você os receberá de volta como novos e ainda fará de mim uma pessoa muito mais feliz.