Em São Paulo por conta de um evento, precisei fazer um ajuste no vestido que usaria à noite, num jantar com amigos. Fui a uma costureira a jato recomendada pelo hotel. Enquanto ela marcava a bainha, comentou:
– O seu rosto não me é estranho. Você não é aquela menina…
– Obrigada pelo ‘menina’.
A gentil costureira sorriu e prosseguiu:
– Aquela menina que escreve e faz programa?
– Bruna Surfistinha?
Ah! Não resisti.
– Não! Escreve para adolescentes e faz programa de televisão. Aquele Bola Redonda.
– Bolsa Redonda!
– Isso! No Globo Esporte!
– Esporte Espetacular.
– Isso! Isso! – vibrou antes de decretar: – Você é tão diferente na televisão!
Ô-ou…
Sempre morro de medo de “diferente”. Mas ok, não podia deixar o assunto esgotar, ela estava visivelmente doida pra levar o papo adiante.
– Diferente como?
– Ah… Diferente.
Diferente ponto. Ou seja, era bem diferente mesmo. Sei que ela queria falar mas estava um pouco encabulada. Anos de terapia me fizeram entender um pouco melhor a mente humana. Instiguei:
– Diferente bom ou diferente ruim?
– Diferente diferente.
Fiz a pergunta que não queria calar.
– Diferente gorda?
– Isso! Diferente G-O-R-D-A! – exclamou, felicíssima. – G-O-R-D-A! – repetiu para enfatizar. – É isso que você é na televisão: GOR-DA! – disse mais uma vez. Não custava dar mais uma frisadinha, né?
Se eu fosse diferente Angelina Jolie duvido que ela demonstrasse tamanha empolgação.
Fiquei muda.
Tudo bem, ela preencheu o silêncio por mim.
– E você é tão miúda, braço fininho, cinturinha… Como é que pode, meu Deus? Tevê engorda mesmo!
– Mas eu fico muito gorda?
– Fica.
Nada contra ser gorda, mas há uns anos entrei de cabeça na corrida, no treino funcional e na boa alimentação e nunca pesei tão pouco!
– E dizem que lá no Rio é melhor ser ladrão do que gordo hoje em dia, né?
– Que absurdo! Se a pessoa estiver saudável e feliz, qual o problema de uns quilos a mais? – rebati.
– Nenhum problema. Mas é que você é magra na vida real e na tevê parece uma troglodita de academia, dessas que tomam bomba, sabe?
– Ah, não pareço mesmo!
– Parece sim. Sabe Mulher Fruta?
– Sei.
– É você no vídeo.
Estava piorando! Mulher Fruta? Eu?
– Você fica com bração, pernão, bundão.
Tive vontade de saber como ela repara na minha bunda se passo o quadro inteiro sentada. Resolvi perguntar outra coisa.
– Vem cá: eu fico gorda ou Mulher Fruta?
– Fica mulherão. Toda grande. Parece altíssima!
– Mulherão é diferente de mulher fruta, que é diferente de gorda. A senhora está me confundindo.
– Ai, meu Deus, como é que vou dizer? Você não me leva a mal, mas acho você… você é feia na televisão. Pronto, falei, não aguentei, sou sincera.
Ah, tá.
– Independentemente do corpo, sua cara no vídeo não faz jus a você – alfinetou. – Fica feia mesmo. Cara de travesti pobre, sabe?
– Não, não sei – disse. – A senhora consegue me entregar o vestido até as sete? – consegui mudar de assunto. Ufa!
– Claro.
Na saída, depois que paguei, a costureira arrematou:
– Você está tão calada… Ficou chateada comigo? Não fica!
– Imagina! Nada chateada.
É sempre uma delícia ouvir que sou feia, quis acrescentar.
Mas não acrescentei. Preferi elogiar a rapidez do serviço e sair logo dali.
– Muito bom contar com um serviç…
– Não perde seu tempo se preocupando com o que eu falei, o problema no Bola Redonda não é você – cortou ela. – É a comparação.
Gente! A mulher não parava! Alguém podia cerzir a boca daquela tagarela!
– Comparação?
– É! A gente vê você e compara com as outras três, aí ferrou! Elas são tão bonitas e tão elegantes… Você some do lado delas.
Feia, grande, cafona e apagada. Costureira bacana.
O vestido chegou na hora marcada ao hotel. Pelo menos isso.
Já de volta ao Rio, no elevador do meu prédio, uma vizinha entra e pergunta:
– Você é a Thalita? Nossa! Tão mais magra e tão mais novinha do que a gente vê nas fotos!
Nem sei que fotos, mas lavou minha alma.
Por mais clichê que isso pareça, se você está feliz e se sentindo bem, não importa a opinião dos outros.
Mas cara de travesti pobre tem a sua mãe!