Dizem as más línguas que canto mal. Mas sempre gostei de cantar. Ciente da minha afinação e dada a notas prolongadas, com a acústica perfeita do banheiro me sinto praticamente a reencarnação de Amy Winehouse. Canto mesmo, como se não houvesse amanhã. Mais nova, brincava de programa de calouros do Silvio Santos. Como toda filha única, botava os adultos da família para julgar e/ou competir comigo. Vovó Ruth sempre me incentivou:
– Como canta essa menina! Parece um rouxinol.
Tudo bem que minha querida avozinha (que Deus a tenha) tinha problemas auditivos, era quase surda, mas isso não vem ao caso. Ela realmente apreciava meu timbre, minha interpretação, minha voz de contralto — desde quando sua audição não era tão ruim
Com a única aula de canto que fiz na vida, aos 14 anos (saí por achar a turma muito verde se comparada a meus dotes vocais), tive certeza, depois de elogios rasgados do professor, que levava jeito.
E levo mesmo. Adoro cantarolar nas minhas tardes de autógrafo. Imito com perfeição Ivete, Alcione, Beth Carvalho. Peço para os leitores fecharem os olhos e entoo uma canção. Em seguida pergunto: Quem está cantando? E a resposta é sempre certeira. Canto mal? Ã? Ã?
Ok, talvez minhas interpretações não sejam, assim, tão perfeitas, e talvez o carinho dos leitores conte na hora que eles acertam o nome da cantora. Tudo bem que se imito Ivete canto Vai rolar a Festa, se quero parecer a Alcione, ataco de Garoto Maroto e quando quero fazer a Beth Carvalho me empolgo com Vou Festejar. Tudo bem, isso pode ajudar um pouco, UM POUCO!, o leitor que pacientemente escuta meu pequeno e surtado show. Mas eles acertam, caramba! Algum borogodó vocal eu tenho!
Sei que sou capaz, esforçada, sei que não faço feio numa rodinha de viola. Tony Lucchesi, maestro talentosíssimo com quem tive o prazer de trabalhar na montagem teatral de Tudo por um Pop Star, disse que canto bem, que tenho muito potencial. Quem sou eu para discutir com um maestro?
Infelizmente, não são todas as pessoas que confiam no taco do meu gogó. Mesmo depois de infinitas notas 10 em karaokês da vida, sou terrivelmente atacada e humilhada por amigos que, na minha opinião, simplesmente não têm ouvido. Ou paciência para o meu ouvido absoluto. É, eu acho que tenho ouvido absoluto, toquei piano de ouvido muito tempo e sou capaz de dizer qual a nota emitida por um tapa na cara. Tapa na cara foi pesado. Uma porrada na mesa e eu digo logo:
¾ Ré! Ré! Ré!
Não, não sou maluca. Tanto que cantei na festa em que comemorei 14 anos de casamento e fui elogiada por músicos presentes. Inclusive Érika Martins, cantora de voz doce, boneca de carne e osso que me convidou para dar o ar da graça em seu Chuveiro in Concert, karaokê com banda de primeira que rola aos domingos no Bailinho, uma festa bacanuda aqui do Rio.
Aceitei na hora.
– O que você vai cantar? ¾ Carlos quis saber.
– A Menina Dança, dos Novos Baianos.
– Pfff – desdenhou o palhaço. Carlos, a partir de agora, será chamado de “palhaço” nesta crônica.
– ‘Pfff’ o quê?
– Essa música é dificílima! Tá louca, amor?
– Você me elogiava quando eu cantava nas suas violadas…
– Porque queria te pegar!
Fofooo!
– E porque a paixão é surda ¾ completou o palhaço.
– A Érika amou me ouvir cantando!
– Tadinha! Qual o problema dela?
– Nenhum, Carlos. Nenhum!
– Sério, escolhe outra música. Essa não dá.
– O que você acha de Son of a Preacher Man? Arraso nessa.
– Arrasa com essa. Você acaba com essa música.
– Eu canto superbem.
Mentira. Eu falei mesmo “suuuuperbem”. Não escrevo para adolescentes à toa.
– Meu amor, bota uma coisa na sua cabeça: você não canta. Você acha que canta. Do mesmo jeito que você acha que é boa fisionomista.
– Mas eu sou ótima fisionomista.
– Você achou que tinha visto o Keith Richards no aeroporto e era uma japa de cabelo curto e cara de suja.
– Mas era idêntica a ele!
– Não! Ela devia ter, no máximo, uns 30 anos, ele uns 102. Admite, você simplesmente não sabe reconhecer pessoas.
– Mas eu já reconheci o Bernardo Cabral na rua. E precisei pagar o mico de gritar o nome dele pra convencer a palhaça da Duca de que eu estava certa. Ele ficou tão feliz, me deu um tchauzinho tão animado…
– Claro. As pessoas não devem reconhecer tanto o Bernardo Cabral nas ruas. Muito menos gritar o nome dele.
– Que mundo injusto! Acerto mil vezes, mas por ter errado algumas poucas eu levo a fama de não ser boa fisionomista.
– Tá. – o palhaço cortou. Odeio quando o Carlos me corta com um seco “tá”. ¾ Vamos voltar pro chuveiro da Érika. Você acha que eu, Jordana, Marcella, Wiled, todos nós mentimos pra você?
– Claro! Não têm ouvido. Nem inteligência para entender meu talento. Se a Britney canta eu posso cantar também!
(Que fique claro que amo a Britney!)
– Carlos, olha só, eu tanto sei cantar que tenho plena noção de quando desafino ou vou desafinar. Tá? Tá?
Dorme com essa!
– Isso não faz de você uma cantora! Quem canta bem NÃO DE-SA-FI-NA! ¾ explodiu o palhaço, com direito a uma absolutamente desnecessária, e ri-dí-cu-la, separação de sílabas. ¾ Não dá pra você cantar Atirei o Pau no Gato?
Inspira, expira, inspira, expira…
– Vocês, vocês, vocês… (quanto vocabulário! Boa, escritora!) Vocês são um… um… um bando de recalcados que não aceitam o fato de eu ter múltiplos talentos.
– Que múltiplos talentos?
– Além de cantar bem eu batuco como ninguém.
– Você parece ter um pé no lugar das mãos, meu amorzinho!
Amorzinho me irrita num grau!
– Amorzinho…
Nota importante: se eu estivesse na TPM no dia desse diálogo o palhaço certamente não teria vivido para ler esta crônica.
Continuou:
– Bota na cabeça: você não canta direito, não é boa fisionomista e não dirige bem.
– Ah, dirijo mal mesmo, eu sei. Principalmente em garagem, odeio garagem, bato em tudo. Mas eu assumo que dirijo mal. Como assumo que canto bem.
– Pff!
Decidi cantar Uma Noite e 1/2, da Marina.
Beijinho no ombro, pro recalque passar longe.
Ah! Quem quiser aparecer para conferir minha performance dia 18, o Bailinho rola no MAM. Apareçam!